Adrino
Aragão: o suor da escrita
*
Por Nilto Maciel
Em
1972 estreou, com Roteiro
dos Vivos,
o contista Adrino Aragão, no Amazonas. Quatro anos depois deu a
lume Inquietações
de um Feto,
contos de linhagem tradicional. Em 1985 apresentou As
Três Faces da Esfinge,
mais próximo do primeiro, embora no segundo haja narrativas que não
devem ser necessariamente configuradas como contos. Seriam parábolas.
Apesar de os textos de As Três Faces da Esfinge poderem ser chamados de contos, ainda assim Adrino se serviu de técnicas mais modernas para a sua elaboração, como em “Ceia”. Em contrapartida, aqui e ali o contista escorrega e se deixa burlar pelo cronista adormecido e pelo novelista ou romancista abortado. (A expressão "romance abortado” foi usada, em 1894, por Araripe Júnior, ao se referir a livros de contos publicados então no Brasil). É o caso da boa narrativa “Hoje não tem Espetáculo”, na qual despontam alguns trechos de crônica. Ora, como diz Assis Brasil, “a crônica continua a ser um relato, bastante pessoal, e como relato nomeia e descreve acontecimentos, e cria enredos, sem a preocupação de criar uma nova realidade”.
“A Noite na Sala de Jantar” tem outra configuração: não é conto e não é crônica. Talvez seja capítulo de novela. Assim também “Menção Honrosa”, muito mais para anedota trágica do que para conto.
Os
temas explorados por Adrino em As
Três Faces da Esfinge se
circunscrevem quase sempre ao cotidiano, sobretudo de personagens
miúdos, da vasta fauna dos desgraçados, como se vê em “Os
Pormenores” e “O Sistema”. No primeiro, alguns deslizes, como
quando intromete no discurso do narrador figuras eruditas,
tornando-o, dessa maneira, falso.
O
apego de Adrino a temas mais comuns na prosa de ficção é
responsável por outros equívocos. Assim, “Hoje não tem
Espetáculo” parecerá, ao leitor mais experiente, alguma história
há muito contada e recontada. Também o tema de “A Noite na Sala
de Jantar” tem sido muito explorado: o fascínio doentio exercido
pela televisão. Da mesma forma o tema de “Iniciação de Olga”,
apesar de configurar um bom conto. A literatura está repleta de
histórias de prostitutas, desde clássicos como Bubu de Montparnasse
até o caboclo Doutora Isa, de Juarez Barroso. A função precípua
do ficcionista não é criar enredos novos, porém é preciso sempre
estar atento a esse aspecto.
Adrino
Aragão se dedica também a temas grandiosos, tratados por escritores
do porte de Thomas Mann, como o da angústia do artista frente à
vida e à arte. Como os temas da loucura e da velhice, este
magistralmente tratado em “As Tias”.
Feitas
essas restrições, de leitor exigente e casmurro, uma última
palavra – Adrino Aragão é dos poucos que saíram íntegros do
turbulento carnaval literário iniciado nos anos 1970. A grande
maioria dos foliões daquele período dançou, escorregou e foi ao
chão. Ou se despedaçou, apesar de ter publicado livros e mais
livros, aparecido em jornais e revistas e até posado de galã na
televisão. Tudo em vão. Adrino continuou suando, não como folião,
mas como laborador de contos. Sem confete e sem serpentinas.
*
Escritor cearense
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