quinta-feira, 5 de abril de 2018

O remédio é a permuta - Marcelo Sguassábia


O remédio é a permuta


* Por Marcelo Sguassábia


Nossa rede de farmácias tem uma oferta irrecusável pelo seu terreno, Sr. Álvaro.
Bom, não tá à venda. Mas dependendo do que você tiver aí na manga, não sou louco de não aceitar…
O senhor sabe que está todo mundo mergulhado até o pescoço nessa crise, e a oferta de imóveis excelentes para vender é enorme. Terrenos semelhantes ao seu, nesse bairro, há pelo menos uns vinte anunciados.
Tá, pode pular essa parte.
Indo direto ao assunto: só fazemos negócio à base de permuta.
Não estou entendendo. O que uma rede farmacêutica vai querer permutar em troca do meu terreno?
Óbvio: remédios. Todos os que o senhor e sua família precisarem.
Oi????
O senhor já parou para pensar o peso que tem o gasto com medicamentos no seu orçamento doméstico? Basta fazer uma conta por alto, assim de cabeça, e vai se assustar com o resultado. Fica entre 7 e 20% das despesas mensais. Um percentual que vai aumentando conforme a família envelhece.
Maluco isso…e quem da família pode aproveitar essa permuta?
O senhor, sua esposa, seus filhos, netos, genros, noras, sogros, cunhados e parentes até o segundo grau. Do seu ramo familiar e da sua mulher também. E é vitalício, o contrato vale até que todos morram. Mas o terreno tem que vir como doação para a Rede imediatamente, com escritura em cartório, tudo direitinho.
Mas eu posso morrer amanhã! Aí dessa permuta eu não aproveito nada… É cada uma que me aparece!
Veja, com tantos remédios à sua disposição, vai ser difícil o senhor morrer tão cedo. E, se morrer, vai deixar uma bela herança em saúde para a família toda.
Só que o meu terreno vale 2 milhões!
E quanto vale a saúde da sua família? Seu neto, por exemplo, pode vir a precisar de um remédio caríssimo, de uso diário… Será tudo por nossa conta. A única possibilidade do senhor fazer mau negócio é se sua família inteira estiver a bordo de um avião que venha a cair e mate todo mundo. Aí não dá para fazer nada mesmo.
Nossa, seria azar demais.
Só que tem alguns pontos importantes, previstos em contrato, para a permuta não virar bagunça. O senhor pode ter parentes hipocondríacos, e aí vamos ter prejuízo. Outra coisa: hoje em dia farmácia vende de tudo. Tem chocolate, isotônico, recarga de celular, barrinha de cereal, bronzeador, batata frita… Então é bom que fique bem claro que a permuta é para medicamento. E tem que haver uma perícia com um farmacêutico da rede, para saber se o remédio requisitado condiz com o quadro do paciente.
Sei. E vai ter farmacêutico de plantão na farmácia?
Ahnnnnn…. bem… o que eu quero dizer… Olha, tem que ter a autorização de profissional habilitado. Se não tiver farmacêutico aqui na hora, o gerente liga para a central da rede e a gente envia um para fazer a perícia. Esse ponto precisa ficar bem entendido.
Que prazo eu tenho para dar uma resposta?
Meia hora. A máquina de terraplenagem já está vindo para cá.
Calma aí, queridão. E se eu não quiser fechar negócio?
Sabe aquele outro terreno, atravessando a rua? Já está vendido para nós, caso o senhor não aceite.


* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).




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