A trama da vida
“A vida do homem é uma trama tecida de bons e de maus fios”.
Esta citação de William Shakespeare cabe, a caráter, em sua biografia. Aliás,
cabe nas de todos nós. Convivemos com circunstâncias aleatórias, ora
favoráveis, ora muito ruins. A qualidade do tecido que resultar dessa trama que
somos levados a tecer vai depender de como teceremos esses fios. Shakespeare
foi dos tais que soube fazer dos limões azedos que o acaso lhe atirou
refrescante limonada. Teceu, com os fios das tragédias, que cercaram seus
passos, preciosa obra literária e teatral, que vem superando o tempo e o
esquecimento, conservando incrível toque de atualidade.
A vida de muitos escritores rivaliza, em termos de interesse
e atratividade, com o que produzem e legam à posteridade. Não raro os supera.
Nem todos sabem tecer bons panos com maus fios. Os que desenvolvem essa
habilidade, se consagram e se perpetuam no coração e nas mentes das gerações.
Sei que estou sendo repetitivo, pois escrevi o mesmo quando comentei
biografias, por exemplo, de Edgar Alan Poe, Victor Hugo, Virgínia Woolf e
Machado de Assis, entre tantos e tantos outros homens e mulheres que fizeram da
Literatura sua forma de dizer ao mundo ao que vieram. A reiteração, porém, é
válida e se constitui em recurso precioso para fixar conceitos. Aproveito o
ensejo para reiterar também que nem tudo o que os biógrafos escrevem é a
rigorosa “fotografia” da realidade. Há muito de fantasia e de especulação nas
narrativas de determinados episódios da vida dos biografados.
Pode-se dizer que William Shakespeare foi, antes de tudo, um
sobrevivente. Conseguiu sobreviver, por exemplo, à epidemia de peste bubônica
que assolava a Inglaterra do século XVI, que matou suas duas irmãs mais velhas,
Joan e Margaret, entre 1558 e 1563. Foi o terceiro filho dos oito que o casal
John Shakespeare – fabricante de luvas e comerciante de lãs, que chegou a ser
prefeito de Stratford-Upon-Avon – e Mary Arden – filha de um rico proprietário
de terras – gerou. Os outros cinco irmãos, como ele também poupados pela
insidiosa moléstia, foram: Gilbert (1566), Joan (1569), Anne (1571), Richard
(1574) e Edmund (1580).
Para desespero dos biógrafos, há dois períodos distintos da
vida de William Shakespeare que somados, perfazem mais de uma década, em que
não há a menor referência ao que fez, como e onde. Não existe nenhum documento,
nenhuma referência, nada, rigorosamente nada a propósito dessa fase. Tais
períodos são, respectivamente, os compreendidos entre os anos de 1578 e 1582 e
os de 1585 e 1592. São o que seus biógrafos e estudiosos de sua obra
classificam como “os anos perdidos”. Colhi estas informações no excelente texto
de Meire Kusumoto, intitulado “Shakespeare, para além do mito”.
Por mais rigoroso que se queira ser, é enorme desafio
distinguir fatos de lendas. Ademais, há profundas lacunas que, se preenchidas,
talvez explicassem a razão do seu sucesso. Não se sabe, por exemplo, quando ele
deixou a pacata cidadezinha em que nasceu, a Stratford-Upon-Avon de sua
infância e adolescência, para se aventurar na cidade grande, no caso, Londres. Por
que escolheu, especificamente, o teatro, onde atuou inicialmente como ator, e
não outra atividade qualquer? Qual a sua formação dramática? Com quem e quando
aprendeu as técnicas dessa milenar arte? Por mais que se procure, não há
documento algum que responda a essas questões, sobre as quais só se pode
especular. E como especulam a respeito!!!
Uma das características que mais chamam a atenção nas peças
de William Shakespeare é a naturalidade com que mistura tragédia e comédia, sem
que essa mescla sequer cause estranheza. Em outras partes da Europa, como
Itália, França e Alemanha, isso não ocorria. Havia nítida demarcação entre o
que faz rir e o que faz chorar. Talvez sua maneira de encarar a vida, que pode
ser resumida por esta sua frase ultracitada mundo afora – “o mundo é uma
história contada por um idiota, desprovida de senso e significado e cheia de
barulho e fúria” – explique. Talvez...
Boa leitura.
O Editor.
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E põe muito mistério em tudo isso.
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