Confissões
* Por
William Somerset Maugham
... O primeiro assunto
que atraiu minha atenção foi religião. Parecia para mim de grande importância
decidir se este mundo em que eu vivia era o único que eu tinha que reconhecer
ou se eu deveria encará-lo como um lugar de experiências que me prepararia para
uma vida futura. Quando escrevi Servidão Humana, dediquei um capítulo sobre a
perda, que sofrera meu herói, da fé em que fora criado. Os originais do livro
foram lidos por uma mulher muito inteligente que naquele tempo tinha a bondade
de interessar-se por mim. Disse-me ela que aquele capítulo era inadequado. Eu o
reescrevi; mas não penso que o melhorei. Dado que ele descrevia minha própria
experiência, eu não tinha dúvidas que minhas razões para chegar às conclusões
que cheguei eram inadequadas. Elas eram as razões de um menino ignorante. Elas
vinham do coração não da cabeça.
Quando meus pais
faleceram eu fui morar com meu tio que era um pastor. Ele era um cinquentão,
sem filhos, e eu estou certo que era um grande aborrecimento ter sobre si a
responsabilidade das pressões de um pequeno garoto. Ele dizia orações pela
manhã e à tarde, e íamos à igreja duas vezes no domingo. Domingo era o dia
ocupado. Meu tio sempre dizia que ele era o único homem que trabalhava sete
dias por semana. Na verdade ele era incrivelmente preguiçoso e deixava todo o
trabalho da paróquia para seu cura e seus tesoureiros. Mas eu era
impressionável e logo me tornei bastante religioso. Eu aceitava o que me era
dito como verdade inquestionável, tanto no vicariato do meu tio, como posteriormente
na escola.
Havia um ponto que
imediatamente me afligiu. Eu não estava há muito tempo na escola antes de
descobrir, através do ridículo pelo qual eu era exposto e das humilhações que
eu sofria, o infortúnio que representava para mim, a minha gagueira; e eu tinha
lido na Bíblia que se você tem fé você pode mover montanhas. Meu tio
assegurava-me que isso era literalmente um fato.
Certa noite, nas
vésperas de voltar para a escola, eu rezei a Deus com todo meu espírito para
que ele levasse embora minha limitação; e com essa fé fui dormir, seguro de que
quando acordasse na manhã seguinte eu seria capaz de falar como qualquer
pessoa. Eu me imaginei diante da surpresa dos garotos (eu estava ainda no
primeiro grau) quando eles descobrissem que eu não gaguejava mais. Acordei
cheio de exultação e foi um choque real, terrível, quando descobri que eu
gaguejava mais do que nunca.
Eu cresci. Fui para a
King's School. Os mestres eram religiosos; eram estúpidos e irascíveis. Eles
eram impacientes com minha gagueira, e se não me ignoravam completamente, o que
eu preferia, me intimidavam. Pareciam considerar como minha culpa o fato de eu
gaguejar.
(.......Eu estava
muito aborrecido com todo o dia-a-dia de igreja que era jogado sobre mim, tanto
em casa quanto na escola e, ao partir para a Alemanha eu saudei a liberdade que
me permitiu ficar fora disso. Mas duas ou três vezes, movido pela curiosidade,
eu fui à Santa Missa na Igreja Jesuíta em Heidelberg. (....... O Paraíso foi
reservado para os membros da igreja da Inglaterra. Eu aceitava como uma grande
graça de Deus o fato de eu ter sido educado naquela comunhão. Era maravilhoso
ter nascido Inglês.
(.......E agora na
Santa Missa em Heidelberg eu não podia deixar de notar que os estudantes que
enchiam a igreja até às portas, pareciam bastante devotos. Eles tinham,
realmente, toda a aparência de acreditar em sua religião tão sinceramente
quanto eu acreditava na minha. Era estranho que eles pudessem porque, com toda
a certeza, eu sabia que a deles era falsa e a minha a verdadeira.
(.......Assolou-me a
idéia de que eu poderia muito bem ter nascido na Alemanha e então teria sido
naturalmente criado como um católico. Achei muito duro que, sem ter nenhuma
culpa própria, assim eu seria condenado ao tormento eterno. Minha natureza
ingênua revoltou-se com essa injustiça. O próximo passo foi fácil. (........Mas
as crenças que me haviam sido instiladas se apoiavam uma nas outras e quando
uma delas veio a ser ofendida as demais participaram do mesmo destino. Toda a
horrível estrutura, baseada não no amor de Deus mas no medo do inferno, ruiu
como um castelo de cartas.
Com o espírito em
disponibilidade, deixei de acreditar em Deus; Eu senti a felicidade de uma nova
liberdade. Mas nós não acreditamos unicamente com o espírito; em algum profundo
recesso de minha alma ainda permaneceu o velho temor do fogo do inferno, e por
muito tempo minha exultação foi temperada pela sombra dessa angústia ancestral.
Eu não acreditava mais em Deus; mas no fundo,ainda acreditava no Diabo.
(.......Eu me
denominava agnóstico, mas no meu sangue e nos meus ossos eu considerava Deus
como uma hipótese que um homem racional tem que rejeitar. (.......Eu ainda não resolvi com o
Diabo. O problema oprime quando você considera se Deus existe, e se existe, que
natureza deve ser atribuída a ele.
(.......Eu não consigo
penetrar nesse mistério. Permaneço como agnóstico, e a consequência prática do
agnosticismo é que você age como se Deus não existisse.
*
Romancista e dramaturgo britânico
Nenhum comentário:
Postar um comentário