Também
quero ser indiciado
* Por Flávio Tiné
Já que agora é chique, também quero ser
indiciado. Forneço aos órgãos competentes, uma a uma, as razões que podem me
incluir entre banqueiros, comerciantes e publicitários baianos. Não subtraí
nenhum pote de manteiga do supermercado, tampouco boné de algum membro de
gangue de rua. Sequer tive coragem de levar roupas íntimas do varal do vizinho,
mesmo porque não eram de nenhuma grife.
Mas lembro que lá pelos idos de 1962
tomei Ron Montila com Che Guevara e Fidel Castro, senão com eles exatamente,
mas pelo menos no mesmo bar onde eles recepcionavam uma comitiva de brasileiros
que emprestavam sua solidariedade à revolução cubana, no hotel Habana Riviera.
Podem me indiciar por ter nascido
pobre, no interior de Pernambuco, tendo dez irmãos do mesmo pai e da mesma mãe,
coisa raríssima hoje em dia, pelo menos por aqui pelo Sul Maravilha.
Obviamente, como Lula, tive de virar pau-de-arara, depois que outra revolução,
assim denominada mas na verdade um simples golpe militar, resolveu prender e
perseguir todos os pernambucanos que de alguma maneira apoiavam Miguel Arraes
de Alencar.
Ir a Cuba e apoiar um governo de
esquerda no Brasil já não constitui nenhum crime. Pelo contrário. Pode até
valorizar o currículo num governo dito popular.
Se tais razões não bastarem, quero ser
indiciado por ter tentado ler um ou outro livro de Paulo Coelho. Não consegui
ir até o fim, é verdade, como não consegui terminar O Código Da Vinci. Noutros
casos, como os poemas de Paulo Bonfim, nem precisei me dar ao trabalho de ler:
ouvi-os em algumas solenidades, ocasiões festivas e quetais, através da Rádio
Bandeirantes.
Quase
incluía no rol dos motivos de indiciamento o fato de ter assistido algumas
vezes o programa do Ratinho e o Superpop da Rede TV. Nesse último caso deixa
pra lá, pois a carne é fraca.
Gostaria de ser indiciado por ter
votado em Lula, mesmo não sendo petista, só por ser fã de Chico Buarque.
Continuo fã dele, gente de boa fé, menino de ouro, mas confesso meu desencanto.
Quase não acredito em mais nada – exceto em Luiza Brunett, e naquela menina que
prometeu me fazer feliz enquanto pudesse. E o fez enquanto pôde.
O delegado vai me perguntar se fiquei
triste com o desenlace e com os rumos que vêm tomando as eleições que se aproximam.
Direi que sim, naturalmente, menos pelos cinco netos que me rodeiam e até me
fazem esquecer que um dia sonhei como todo militante. Manterei as musas, as
antenas e os búzios, para a hipótese de mudanças e imprevistos.
*Jornalista
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