O poeta William Shakespeare
As peças de William Shakespeare são praticamente
unanimidade. Ninguém contesta sua qualidade, sob risco de, se o fizer, cair em
ridículo. São estudadas pelos mais diversos especialistas na matéria e
representadas mundo e tempo afora, pelos mais competentes atores, sempre com
idêntico sucesso. São clássicos da arte teatral. É impossível sequer de se
estimar quantas vezes já foram encenadas mais de 400 anos após terem sido
escritas. Hoje mesmo, com certeza em algum lugar do Planeta, algumas delas
estão sendo levadas ao palco, atraindo platéias das mais heterogêneas e
variadas. É um caso raro de sucesso. Não conheço nenhum outro que pelo menos se
aproxime dele e muito menos que o iguale ou o supere.
O mesmo não ocorre, porém – não na mesma proporção – em
relação à poesia de William Shakespeare. Não que essa sua habilidade seja
desconhecida, ou que sua obra poética tenha baixa qualidade. Muito pelo
contrário. É magnífica e arrebatadora. Quem a conhece, atesta isso até com
entusiasmo. E muitos a conhecem! Ela é objeto de estudo em escolas de países de
língua inglesa, e não por eruditos em Literatura, mas por parte de adolescentes
do ensino médio. Por que, então, a poesia de Shakespeare não faz tanto sucesso
quanto suas peças? Bem, as razões são várias.
O gênero, convenhamos, não é dos mais populares da
Literatura. Não se compara, em termos de leitura e, sobretudo, de interesse, nem
de longe com contos, crônicas e até mesmo com ensaios. Com romances, então, não
há termos de comparação. Embora os principais poetas de cada país sejam
estudados nas respectivas escolas a partir dos cursos secundários, são raros os
alunos que complementam esses estudos lendo obras completas deles fora dos
bancos escolares. São estudados apenas alguns poucos poemas, os mais
conhecidos, dos poetas mais famosos, mas, por alguma razão que foge ao meu
entendimento, a poesia, como gênero literário nobre que é, não desperta o gosto
dos estudantes, quando deixam a escola, salvo exceções. Todos perdem com isso.
Poesia é para ser lida com prazer. É para ser meditada, degustada, sentida,
devorada vorazmente e incorporada ao nosso dia a dia. Quem a aprecia e está familiarizado
com ela, sabe do que estou falando.
William Shakespeare foi tão bom poeta (se não melhor) quanto
foi esse dramaturgo tão reverenciado, autor de peças teatrais que se tornaram
clássicas (e dizem que foi também ator de primeiríssima qualidade). Sua obra
poética está ao alcance de qualquer um para comprovar. É certo que o problema
do idioma não permite que seja usufruída com plenitude. Poemas traduzidos nem
sempre refletem com exatidão o que os poetas quiseram dizer. Há expressões que
não comportam traduções, não pelo menos ao pé da letra, como certos tradutores
imperitos fazem. O ideal é que
Shakespeare seja lido (e degustado) no original. Claro que esse privilégio só é
acessível para quem domine a língua em que seus poemas foram escritos.
Registro, todavia, até por questão de justiça, que há excelentes traduções, que
nem mesmo são tão raras.
Tanto a poesia de Shakespeare é importante, que suas
primeiras obras publicadas, bem antes que qualquer de suas peças fosse transformada
em livro, foram dois poemas líricos (“Vênus e Adônis” e “O estupro de
Lucrécia”), o que ocorreu entre os anos de 1593 e 1594. Nesse período, ele teve
que se afastar dos palcos, porque os teatros ingleses foram todos fechados
pelas autoridades, em decorrência da epidemia de peste bubônica que assolava a
Inglaterra e principalmente sua capital, Londres, na ocasião. Sabe-se que
Shakespeare escrevia poesias antes mesmo de ter suas primeiras experiências
teatrais. Nunca deixou de ser poeta.
No primeiro poema, um inocente Adônis rejeita os avanços
sexuais de uma excitada Vênus. No segundo, uma virtuosa esposa, no caso
Lucrécia, é violada sexualmente. Esses dois poemas causam controvérsia até hoje
e não propriamente pelo seu erotismo (ambos, aliás, influenciados pela
“Metamorfose”, do poeta latino Ovídio), mas, pasmem, por sua dedicatória.
Shakespeare dedicou-os a Henry Wriothlesley, terceiro conde de Southampton,
supostamente homossexual. Foi o que bastou para muitos inventarem, sem a mais
remota prova ou ínfimo indício, um improvável relacionamento amoroso entre
ambos. Tratarei, oportunamente, com mais detalhes, desse assunto, que considero
enorme covardia com quem não pode se defender.
Para não deixar o leitor no ar, reproduzo, abaixo, um trecho
de “Vênus e Adônis”, com tradução de Alípio Correia de Franca Neto:
“(...) Como o sol, faces púrpuras,
desponta
Com o adeus final da aurora se
carpindo,
À caça, Adônis, rosto em cor, se
apronta.
Se ama caçar, caçoa do amor, se rindo.
Doente de amar, Vênus se lança atrás,
Corteja-o feito um pretendente audaz.
‘Três vezes mais formoso que eu’, diz
ela,
‘Frescor sem par, do prado a flor
preciosa,
Mais dócil que homens, nódoa à ninfa
bela,
Mais branco e róseo do que pomba e
rosa:
A Natureza, com ela mesma em guerra,
Proclama que, ao morreres, morre a
terra.
Te digna apeares do corcel, portento,
E prende a arção a fronte altiva;
aliás,
Pelo favor a mim, em pagamento,
Mil segredos de mel conhecerás;
Vem, senta, onde não silva a serpe, e
assim,
Sentado, em beijos te sufoco, enfim.
O lábio não sacies no que é sobejo –
Na sua abundância atiça-lhe o apetite,
Faz que varie, rubro e sem cor: dez
beijos,
Curtos como um, um longo como vinte.
Um dia de estio parecerá breve hora
Haurida num prazer que ao tempo
ignora...”
Voltarei ao assunto abordando, sobretudo, os sonetos de
Shakespeare, um dos seus maiores tributos à Literatura e, sobretudo, à arte
poética, abordando, inclusive, toda a polêmica que os cerca ainda hoje.
Boa leitura.
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A mim, que por mais que insista, tenho dificuldades em entender poemas, achei o que foi citado, envolvente e belo.
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