A
CPI da Tomada: onde enfiar os três pinos?
* Por
José Ribamar Bessa Freire
- Onde enfiar os três pinos? Essa pergunta será
feita ao dono do Hotel Garvey, em Brasília, no dia em que o deputado Eduardo
(vixe) Cunha (vixe) do PMDB (vixe-vixe) instalar a CPI da Tomada para
investigar as empresas fora-da-lei que continuam usando tomadas antigas de dois
furos. Tal CPI será criada - não tenham dúvidas - se Cunha com seu bico curvo e
adunco e suas garras afiadas de carcará perceber que pode ganhar
"politicamente" alguma coisa com isso.
Fiz a mesma pergunta
nesta sexta-feira ao Reginaldo, funcionário da Recepção do Hotel: onde enfio os
três pinos? Eu havia feito uma reserva no Garvey. Realizei o check-in e subi ao
terceiro andar, encontrei a porta danificada do quarto 333 com a madeira compensada toda esfolada. Como
toda desgraça é pouca, uma vez lá dentro, tento ligar o notebook, que está
dentro do Padrão Brasileiro de Plugues e Tomadas, descubro que o pino não entra
no buraco. O que aconteceu depois é quase inenarrável.
Desci para a Recepção
e interpelei o funcionário do Garvey Park Hotel, situado na Asa Norte, distante
apenas 9 km do Palácio do Planalto. No site, eles anunciam que tem "móveis
modernos, guarda-roupas espaçosos e pisos de azulejo" e de quebra se gabam
de ter funcionários poliglotas: "Nós falamos a sua língua". Mentira!
Suas tomadas monolingues não entendem o dialeto dos plugues e sequer possuem um
tradutor, um reles adaptador, para quebrar um galho. E Reginaldo não entendeu o
que eu falava.
Cacimba da Dadá
Costumo viajar levando
sempre na mala um kit de adaptadores com tomada chata, tomada com terra, sem
terra, etc. especialmente depois de um sufoco no aeroporto de Bogotá, em que
não consegui ligar meu notebook. Mas só faço isso em viagem ao exterior, onde o
padrão é outro, diferente do nosso. No Brasil, existe uma lei desde 2002, com
prazo de adequação até 2010, que obriga todo mundo a trocar a tomada de dois pinos
pela de três. Mas o Garvey não está nem aí.
A gente até que
entenderia se o transgressor fosse o Hotel Cacimba da Tia Dadá em Urucurituba
(AM), no meio da floresta amazônica, ou o Hotel Mocorongo, em Santarém. Mas
logo em Brasília, na capital federal, a 5 minutos de táxi da Câmara de
Deputados? Lá a expectativa é outra. Seria possível perdoar se o Garvey
oferecesse adaptadores aos seus hóspedes, enquanto não faz a reforma. Ou se
pelo menos abrisse uma loja para vender adaptadores e ganhar dinheiro com a
operação. Nada disso.
- Ás 21 horas, onde é
que encontro um adaptador?
Reginaldo, o zeloso
funcionário, coitado, disse que não era possível usar qualquer aparelho de três
pinos. Diante do meu desespero, respondeu que o problema era meu e não do
hotel. Invoquei a lei. Nada. Expliquei, quase chorando, que precisava redigir
essas mal traçadas linhas e enviar ao jornal. Nada. Cartada final: ameacei
deixar o hotel. Ele sem pestanejar, sem qualquer interesse em segurar o
hóspede, me devolveu a ficha. Cumpri, então, a ameaça. Deixei o hotel.
Telefonei pra mais três perguntando se tinham tomada de três pinos, dois deles
não tinham.
Dessa forma, o
Garvey não é a única empresa
pré-capitalista que desafia a lei no coração da República. Prefere perder uma
diária do que fazer a reforma exigida. Sequer opta pela merreca de um adaptador
de cinco reais para melhor atender o hóspede.
Pedi para falar com o
gerente, não tinha gerente. Reginaldo me explicou que aquele quarto - não era o
único - pertencia a outra empresa, que terceirizou várias habitações naquele
hotel. Era um hotel dentro do hotel, só que sem funcionários responsáveis.
Enfia na dele
De qualquer forma,
antes de cancelar a reserva e abandonar o local explodindo de raiva pelo
constrangimento e pelos maus-tratos, pedi o livro de registro de reclamações e
redigi um protesto furibundo, que ninguém vai ler, nem tomar qualquer
providência. Os empresários da rede hoteleira gozam de total impunidade para
seus desmandos. O público que se lixe.
A Polícia Federal,
seguindo o modelo da "Lava-Jato", podia muito bem criar a Operação
"Enfia na Tomada dele". O Macaco Simão, em sua coluna na Folha de São
Paulo explorou um cartaz exibido numa manifestação na avenida paulista, com a
foto de uma tomada de três pinos e a frase: "Só essa porra já merecia um
impeachment". Segundo ele, "tomada de três pinos é pior que
corrupção. Se a Dilma prometer a volta da tomada de dois pinos, a popularidade
dela explode prá 20% Rarará".
Esse novo padrão
brasileiro criou a chamada "tomada-jabuticaba", de três pinos, que só existe no Brasil, com um encaixe
diferenciado e formato em poço, cujo objetivo seria evitar o contato acidental
do usuário com a corrente elétrica. Na época da lei, estatísticas duvidosas
falavam do registro de 13.776 internações hospitalares com 379 mortes - isso
num período de dez nos - decorrentes de acidentes com correntes elétricas em
residências, locais de trabalho, escolas, asilos, além de incêndios causados
pelo tipo de tomada antiga.
Nem sei se é verdade,
mas se for verdade o Hotel Garvey continua, então, sendo um perigo para a vida
de seus hóspedes, por incompetência ou mesquinharia. Não existe um órgão
fiscalizador que faça cumprir a lei. Moral da história: se for a Brasília, faça
como se estivesse indo para o exterior, leve vários adaptadores. Ou fuja de
hotéis sem tomada de três pinos onde enfiar o plug do seu computador.
*
Jornalista e historiador
Nenhum comentário:
Postar um comentário