Recortes
da realidade
* Por Marcos
Alves
Foi uma semana pródiga em notícias que
revelam dramas familiares. Problemas que começam em casa e acabam indo parar na
polícia, sem necessariamente envolver dinheiro – ao menos diretamente. Finais
de semana e feriados são datas em que as famílias costumam se reunir, e basta
abrir os jornais de segunda-feira para notar que o noticiário policial
esquenta. Foi assim nos primeiros dias de novembro – que aliás tem dois
feriados.
“Inspetora sofre ao ver filho preso”.
Essa foi a manchete de um jornal carioca para contar a história de uma policial
civil, mãe de um rapaz de 19 anos flagrado tentando roubar uma moto. A
inspetora declarou que a detenção era sua ‘morte pessoal e profissional’. “É a
coisa mais triste do mundo para uma policial íntegra e honesta ver o próprio
filho envolvido nisso. É praticamente a morte, profissional e pessoal. O pai
foi a grande desgraça do meu filho. Devia ter abandonado ele quando as crianças
ainda eram pequenas”, desabafou.
Manhã de primavera em casa, a chuva é
um convite para ficar na internet procurando outras histórias. O caso do homem
que seqüestrou um ônibus no Rio de Janeiro por causa da ex-mulher me fez
lembrar de outro, acontecido há alguns meses, no interior paulista. Mais pelo
contraste que pela semelhança: dessa vez o homem não era o agressor, mas a
vítima. Preso por não ter pago a pensão alimentícia, morreu no meio de uma
rebelião na carceragem. Algo completamente diverso da quase tragédia do Rio,
quando de arma na mão o ex-marido descontrolado ameaçou matar a ex-mulher e
poderia ferir ou matar vários passageiros.
História por história, prefiro a de
Francisco Moura Pereira, 55 anos, cidadão cujo erro maior foi estar no lugar
errado, na hora errada. Era guarda civil municipal em Ribeirão Preto há
19 anos. Tinha duas filhas do primeiro casamento, e outra do segundo. Mas só
depois de morto é que as duas ex-mulheres vieram a saber da existência de uma
terceira que gerou o quarto filho, motivo da ida para o xadrez.
No caso do rapaz do ônibus não sei se
tinha filhos, mas o Francisco me faz lembrar o Bira da novela “Páginas da
vida”. O processo de desmoronamento da personalidade apresentado por Manoel
Carlos é brilhante e – (como diria?) digno, de certa forma. Mostra como o
alcoolismo ou qualquer tipo de dependência química gera uma espécie de falsa
lucidez. Essencial no Brasil mostrar que isso acontece até entre as pessoas
‘respeitáveis’, inclusive entre as que moram no Leblon. É bom falar também do
talento de Márjorie Estiano, que convence como atriz e cantora. Impossível não
se comover com a filha do alcoólatra que ela interpreta tão bem.
Famílias desagregadas na ficção,
famílias se reconstruindo na realidade – como no caso da atleta de 15 anos que
treina em um programa da prefeitura do Rio de Janeiro organizado por um
professor de Educação Física aposentado. Vem ganhando medalhas e conseguindo
grandes resultados, inclusive em provas de categorias acima da idade dela..
Tinha apenas uma tristeza, o fato do pai, um ex-maratonista, viver distante e
não acompanhar a carreira da filha. A reportagem que assisti mostrou-a vencendo
uma prova e reencontrando o pai na linha de chegada.
Histórias humanas, de gente que não se
conhece, histórias diferentes que guardam contrastes e semelhanças e, sobretudo,
fazem pensar. Na mãe policial que depois de anos defendendo a aplicação da lei
vê o filho preso; no pai ausente que vê a filha crescida se tornar atleta; no
marido ciumento que se tornou seqüestrador sabe-se lá por quê; e também na
história do Francisco, que era para ter passado uma noite preso, mas morreu no
meio de uma rebelião.
* Jornalista
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