Exímios sugestionadores
A
Literatura é muito mais sugestão do que descrição. Quanto maior
for a perícia de um escritor em despertar (e mexer com) a imaginação
dos seus leitores, maior será seu potencial de prender sua atenção
e torná-lo cúmplice da sua criação. Jorge Luís Borges afirmou,
anos atrás, que nós, literatos, não criamos os contos e romances
que nos são atribuídos. Limitamo-nos a “sugerir” as histórias,
que são, na verdade, completadas ao gosto de cada um pelos que as
leem.
Sobre
a poesia, nem é necessário ressaltar o quanto tem de sugestão. É
um tipo de texto feito a caráter para a emoção e a imaginação,
muito mais do que ao mero raciocínio. Abundam metáforas de toda a
sorte que nos fazem viajar e adaptar as palavras escritas ao nosso
gosto e à nossa realidade pessoal.
Em
contos, novelas, romances e peças de teatro, por sua vez, não
descrevemos os personagens de sorte a torná-los “reais”, de
carne e osso. Para tanto, seria necessária uma fotografia, já que
uma única imagem vale por mil palavras. Limitamo-nos a descrever
características gerais deles, ou seja, se são gordos ou magros,
altos ou baixos, maltrapilhos ou bem-vestidos etc.etc.etc. Cada
leitor complementa a imagem que faz do sujeito que pretendíamos
descrever à sua maneira. O mesmo vale em relação a cenários.
Por
mais que descrevamos determinada casa, por sua vez, quem lê nosso
texto interpreta nossa descrição (por mais perfeita e detalhada que
seja) de uma forma pessoal, nunca igual à que imaginamos.
Limitamo-nos a descrevê-la em linhas gerais, determinando se ela se
localiza em uma favela e não passa de um barraco mambembe, se fica
em um bairro de classe média e tem relativo conforto, posto que não
tenha luxo ou se é alguma mansão, com todos os requintes que o
dinheiro pode comprar.
Nunca,
por exemplo, um romance, ao ser adaptado para o cinema, tem os
“mesmos” personagens e cenários que o escritor criou, embora,
não raro, sejam até melhores do que os da sua imaginação. É
provável, por exemplo, que a heroína de algum dos meus contos,
embora bela mulher, esteja infinitamente distante da beleza de uma
Júlia Roberts (como, também, pode ser muitíssimo mais bonita) Ou
que o sujeito cuja história estou narrando não tenha a mais remota
semelhança com Tom Cruise.
Daí
ser altamente desejável ao escritor que desenvolva sua capacidade de
sugestão, mediante uma linguagem coloquial e amigável, que faça do
“parceiro” da sua obra, o leitor, seu grande e competente
cúmplice e não o afugente com cansativas e, em geral inócuas
descrições.
Há
autores que têm o raro talento de, em pouquíssimas palavras,
elaborar textos criativos, inteligentes e completos, posto que
curtos. São exímios “sugestionadores” e conseguem transformar
os leitores, se não em parceiros de criação, pelo menos em
cúmplices das teses que expõem.
Fique
claro, porém, que não há nada de errado com quem escreve textos
extensos, livros com vários volumes, às vezes com 5 mil páginas ou
mais. Claro, desde que o assunto abordado assim o exija e que não
haja palavras supérfluas, não seja repetitivo e que, sobretudo,
exista sólido e extenso conteúdo no que escreveu. Ou seja, que não
se trate de mera “enrolação”. Como leitor compulsivo, prefiro
este tipo de escrita, que “vale o quanto pesa”.
Todavia,
quem conta com capacidade de síntese, diz mais coisas, em menor
espaço. Pode nem ser tão didático (e não é) quanto quem escreve
textos bastante longos, mas leva a vantagem da variedade e do talento
de sugestionar o leitor. Ou seja, seus livros nunca são “samba de
uma nota só” e não comportam uma única interpretação, mas
tantas quantas forem seus leitores. Tratam, por exemplo, de dezenas
de assuntos, num único volume, ao passo que, quem não conta com
essa capacidade de síntese, precisaria de uma dezena ou mais deles
para dizer as mesmas coisas.
Já
tive a oportunidade de editar contos curtíssimos, de escassos dois
parágrafos, e que ainda assim foram completos, com começo, meio e
fim. Ou seja, coerentes, instigantes e verossímeis. Quem achar que é
fácil escrever desta maneira que o tente, para ver que as coisas não
são o que parecem. É difícil! Dificílimo! Para a maioria dos
escritores, é até impossível.
Claro
que o valor de qualquer obra literária não está em sua extensão.
Há muito texto capenga, sem rumo, direção ou sentido, composto de
poucas palavras. São tão ruins, que nem dá para considerá-los
“Literatura”. Como também há produções extensíssimas, que
requerem tempo imenso para serem lidas, sumamente atrativas.
Há
livros “massudos” que o leitor até reluta em tirar da estante e
muito menos em abrir. Mas... quando começa a leitura, não quer mais
parar, tamanha é a capacidade do autor de torná-lo “cúmplice”.
O que conta, de fato, em Literatura, portanto, é sempre o conteúdo
(está implícito que a forma seja rigorosamente correta, clara e
lúcida). Todavia, que a capacidade de síntese, de um escritor
talentoso e criativo, é uma arma a mais para seu sucesso, disso não
resta a menor dúvida.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Os livros complexos e bons, tomam tempo e valem a pena, mas muitos eu deixo pelo caminho, especialmente quando me faço a pergunta: o que eu estou esperando desse livro aqui? Se já li um pouco e nada me despertou interesse, posso facilmente largá-lo de lado.
ResponderExcluir