O que se festeja nas festas literárias?
* Por
Suzana Vargas
Sem moralidades, mas
tratando de ser útil, no melhor sentido que essa palavra possa ter, tenho me perguntado:
qual a função das feiras e eventos literários que se alastram país afora? Levam
mais pessoas a ler? Nosso país ainda tão cheio de analfabetos e analfabetos
funcionais, tão necessitado de uma educação para a leitura. precisa desses
movimentos que custam bem caro aos nossos bolsos? Pagar autores para cruzarem
os quatro cantos do país e uma estrutura como a das feiras, valerá a pena no
sentido de cativar público para a literatura?
“Talvez, mas não
muito, talvez, mas quase nunca” é o que respondo com uma certa autoridade de
quem trabalha com eventos há mais de duas décadas e não é somente uma agitadora
cultural que sai fabricando programações literárias. Falo desde minha condição
de professora de literatura, escritora com publicações na área infantil e
juvenil, com ensaios sobre leitura, no mínimo, úteis e de produtora de eventos.
Falo também a partir da experiência como editora e coeditora de revistas
(”Poesia Sempre/Buriti”, da FBN) e diretora há quase 20 anos da Estação das
Letras que criei e coordeno no Rio de Janeiro. Soma-se a essas atividades o
projeto Caravanas de Escritores, que organizei recentemente para a Diretoria do
Livro e da Leitura do MinC, entre tantos que venho desenvolvendo. Enfim, são
muitas experiências com todos os lados dessa moeda chamada livro, da sua
criação à divulgação, comercialização e leitura.
É preciso entender que
eventos são o que o próprio nome diz: eventuais. Podem ou não acontecer,
dependendo da boa vontade, da necessidade de renúncia fiscal ou marketing das
empresas. Ou de verba adicional, pública ou não. Eventos não levam ninguém a
ler mais ou a comprar mais livros. Eventos literários sejam eles festas,
feiras, bienais com maior ou menor projeção nacional, são fenômenos de
marketing. Ou seja: eventualmente ouve-se falar num produto chamado livro, em
seus autores, como quem anuncia uma nova marca de refrigerante. O cidadão
escuta através da mídia que livros são essenciais, que ler faz bem, acorre às
feiras, as escolas se movimentam, as prefeituras distribuem o vale livro ou que
nome tenha essa ajuda essencial dos órgãos envolvidos.
Na verdade, feiras e
eventos cumprem essa missão de popularizar o objeto livro, divulgar alguns
nomes da produção literária nacional e internacional, mas são, como disse
acima, eventuais. E nessa afirmação não vai nenhuma crítica. São importantes?
Sem dúvida! Num mundo em que a propaganda virou a alma de tudo, são essenciais.
Mas não formam leitores por mais longos, bem estruturados ou completos que
sejam.
Escrevo pela
necessidade premente que temos de separar alhos de bugalhos quando o que está
em jogo é a educação de um povo. E ensinar a ler é, sem dúvida, educar. E
educação? Bem, educar é e sempre será ensinar a ler melhor o mundo em que
vivemos. Precisamos considerar algumas questões concernentes à necessidade, no
país, de medidas que levem as pessoas a valorizar mais o ato de ler livros a
ponto de comprá-los, trazendo-os para o cotidiano como informação, formação,
lazer.
Certamente é na escola
que essa valoração se dá. É nela, onde ficamos — da infância à juventude — mais
tempo, que essa espécie de milagre pode acontecer. É lá, com bons mestres, bons
educadores e condições de ensino/aprendizagem dignas, que iremos nos tornar
leitores para além do ambiente familiar. A escola precisa, portanto, responder
à altura dos eventos literários e da propaganda das feiras. Nesse caso, a
leitura deveria ocupar uma boa parte das grades curriculares transformando-se
em matéria escolar, uma matéria artística, como música, desenho, pintura…
Lúdica, mas necessária, do fundamental à universidade. Como matemática ou
ciências, mas sem a obrigatoriedade daquelas e com tratamento especial. Matéria
opcional, inclusive para estudantes de medicina, engenharia, física nuclear,
que tanto precisam da leitura para humanizar mais suas práticas científicas.
Cabe a nós, educadores
e produtores culturais, pensar que gosto pela leitura é hábito e hábito se
adquire no cotidiano, como escovar os dentes, comprar uma entrada para o
teatro. Nossa fome de gastar e consumir tomaria, certamente, outras direções,
entre elas adquirir mais informação, ampliar o imaginário, tornando-nos mais
autônomos, independentes. Talvez só então possamos descobrir as bibliotecas,
acessar Google e quejandos de modo mais inteligente. Só então, talvez, a
propaganda deixe de ser a alma dos negócios evoluindo em seus objetivos.
Essa conversa é longa,
controversa, contraditória, mas nunca irreal e estamos, de fato, precisando
dela. Talvez oficializar uma cadeira de leitura existente em todos os níveis
escolares, inclusive no universitário, independentemente do curso ou
especialização. Na mesa, a discussão.
Publicado
no jornal O Globo em abril de 2015.
*
Suzana Vargas é escritora, professora de Literatura, mestre em Teoria Literária
pela UFRJ, criadora e diretora da Estação das Letras, no Rio de Janeiro
Uma pura verdade!!!
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