É Natal outra vez
* Por Harry
Wiese
Sim, é Natal outra vez.
O corre-corre de todos os anos retornou. Ouvem-se as mesmas músicas; o tom das
propagandas também é o mesmo. Ruas e casas são enfeitadas. Há cigarras
cantando, bem poucas este ano. Há muitas crianças felizes e algumas tristes.
Também existem pessoas adultas com alegrias estampadas no rosto e outras
pensativas questionando a vida e o mundo.
Com tudo isto, meus
pensamentos voltam-se à época distante, à infância, em uma comunidade
interiorana, à busca de algumas recordações daqueles tempos idos. A intuição me
diz que valerá a pena recordar, porque recordar também é viver.
O
advento era o tempo de intensificação dos sentimentos, agraciado com os
afazeres pré-natalinos: a escolha da árvore, sempre uma araucária,
especialmente plantada e cuidada para esse fim; a produção de doces de mel e de
doces de natal. Os doces de mel sempre eram feitos primeiro porque se
conservavam melhor e aguentavam até Natal. Eram enfeitados com glacê e
guardados em grandes latas. Todos os dias comiam-se alguns pedaços o que
instigava ainda mais a espera para o grande dia.
A
confecção de doces era grandeza à parte. Mamãe permitia que nós, crianças,
ajudássemos. Usávamos variadas fôrmas, como: anjos, carneirinhos, sinos,
pinheiros, manjedouras, estrelas, meias-luas, entre outras. Saídos do forno
eram enfeitados com glacê e açúcar colorido, um verdadeiro trabalho artístico.
Se nós
crianças estávamos autorizados a ajudar na parte de colorir os doces, tivemos o
cuidado para não sermos surpreendidos pelas crianças da vizinhança, pois elas
acreditavam que os doces eram trazidos por São Nicolau, hoje Papai Noel. Quanto
aos doces havia estas diferenças, como me confidenciou há alguns anos o “Homem
mais feliz do mundo”, Paulo Notari, na localidade de Ipiranga, em Rodeio/SC, idealizar
do “El Picol Paradis”, composto de hortênsias, anjos e
Cristo Redentor.– “No Natal, nós crianças ganhávamos
três docinhos, tipo coração e nós tínhamos na cabeça, de nossa mãe e do nosso
pai, que vinha o menino Jesus montado no cavalinho e botava os docinhos no
prato”.
Natal começava cedo, por
assim dizer, terminava um e começava outro. O término acontecia com a remoção
da árvore. Ela era o símbolo. Permanecia na sala até meados de janeiro; quanto
mais tempo, melhor, pois enquanto estivesse ali, Natal ainda não havia acabado.
Acendíamos os tocos de vela que sobraram da comemoração da véspera e
admirávamos a beleza singular tardia do pinheiro enfeitado.
A noite de Natal era de
comunhão. Papai, mamãe, os irmãos, os avós, tios, tias e primos cantavam canções
natalinas, junto à árvore enfeitada. Papai lia a história do nascimento do
Salvador e nós meninos declamávamos poemas, decorados no sigilo para não atrapalhar
a surpresa. Os presentes não eram de fartura, mas de grande significado
emocional.
Para nós a árvore
multicolorida com luzes brilhando era a maior maravilha do mundo. É lógico, não
estávamos acostumados a ver coisas belas extraordinárias. Não havia televisão,
não viajávamos. O que se poderia apreciar então? – Apreciávamos o céu
estrelado, a Lua nascendo e a chuva caindo. Ah! Não posso esquecer: mamãe,
papai e os irmãos. Todos lindos, todos vivos. Mas a árvore natalina era
incomparavelmente bela.
A alegria era tão grande
que a partir da retirada da árvore natalina, começava a contagem regressiva para
o próximo Natal. É lógico, que até lá, ainda havia a Páscoa, outra festa que
valesse a pena esperar por ela. Durante o ano, vez ou
outra, fazíamos as contas para ver o número de dias que faltavam.
Com os anos passando, e
nós crianças crescendo, era inevitável a grande revelação: São Nicolau não
existe. Coube à mamãe a restauração da realidade, a passagem do mito à verdade.
No meu caso específico, lembro os detalhes: decepção total, choro e
lamentações. Todavia, aos poucos, o imaginário e a fantasia perdidos, abriram
lugar para um sentimento elevado: deixei de ser criança para ser homem.
Tornara-me adulto com todos os privilégios e verdades e via meus irmãos e
primos menores como “coitados”, que ainda acreditavam em coisas que não existem.
Mesmo assim, depois da revelação, eu percebi como era admirável o tempo de
Natal.
Hoje, muito se perdeu,
mas permanecem as lembranças e a esperança em um dia encontrar todos novamente
na festa magna da cristandade, para poder admirar a araucária enfeitada, de
velas iluminada, irradiando paz, justiça, amor e perdão. Que o Salvador das
gentes me ajude!
Feliz Natal!
*
Poeta, escritor e professor, autor dos livros “Meu canto-amar”; “Girata de
espantos”; “Nebulosa de amor”: “Contos e poemas de Natal”; “A sétima
caverna”,”De Neu-Zürich a Presidente Getúlio: uma história de sucesso”; “A
inserção da língua portuguesa na Colônia Hammonia”: “Terra da fartura: história
da colonização de Ibirama”: “Teoria da Literatura”: “IbirAMARes e outros
poemas” e “A história das árvores-homens e outras crônicas”.
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