Código
da Vida
A revista inglesa "Nature"
publicou, em sua edição de 1º de outubro de 1995, um suplemento de 379 páginas
contendo a maior compilação já divulgada de pares de bases de nucleotídeos do
DNA (ácido desoxirribonucleico). Depois dela, houve outras tantas publicações a
respeito, mas nenhuma tão completa e detalhada, pelo menos das que eu tomei
conhecimento. O que vem a ser isso?, perguntará, entre curioso e atônito, com
certeza, o leitor não especializado em genética (poucos o são). Trocando em
miúdos, seriam as "letras" químicas com que a natureza escreveu a
informação contida no código da vida. Sua totalidade é chamada de genoma,
expressão muito em voga nos últimos tempos, desde que se começou um ousado
projeto internacional de mapeamento desses elementos que contêm as
características básicas dos seres vivos (e das pessoas, claro). Ou seja, suas
aptidões, suas fraquezas, seus desvios e suas doenças, entre outros.
Dos inúmeros feitos das ciências, este
é o que considero mais surpreendente, fascinante e ao mesmo tempo perigoso. A
surpresa está em o homem chegar ao próprio segredo da vida em tão pouco tempo,
já que as bases da genética foram lançadas há pouco mais de um século pelo
austríaco Gregor Johann Mendel, que fixou suas três leis fundamentais, após
experiências sobre a hibridação das plantas e a hereditariedade vegetal. O
fascínio, pois, é evidente. E qual é o perigo? Ele está na possibilidade, real,
de manipulação, por parte do homem, de algo que moralmente ele não está
preparado para manipular. Estamos tratando de humanos, com milhões de defeitos,
e não com deuses impolutos, perfeitos e sempre bem intencionados. Já é
possível, por exemplo, a produção em série de pessoas, mediante a reprodução de
qualquer de suas células, pelo menos em teoria. Isso, convenhamos, é
assustador.
Temos toda uma disciplina nova lançando
bases, a Engenharia Genética, que se bem utilizada poderá curar doenças,
produzir espécies melhoradas e mais produtivas de plantas, imunes a pragas, e
animais de capacidade superior aos naturais. Em caso contrário... Bem, os
cientistas podem fabricar monstros que tornem a figura fictícia do Frankenstein,
criada pela escritora Mary Sheley, mera
brincadeira de criança. Eu não confio em homens “brincando” de Deus. Você
confia, caro leitor? Duvido!
Mas voltando ao genoma humano, o
esforço para lê-lo, lançado a partir de 1991 e concluído em 1995, é comparável
à corrida para enviar um astronauta à Lua, empreendida nos anos 60, que
redundou no extraordinário feito de Neil Armstrong. As despesas foram
astronômicas – de algumas centenas de bilhões de dólares –, além do que o
projeto Genoma Humano absorveu as atenções de milhares de cientistas, em várias
partes do mundo, que trabalharam de forma coordenada. Todo esse empenho não se
deu, todavia, por puro “espírito humanitário” (ou não apenas por ele). Envolveu
interesses financeiros fantásticos, enormes, exorbitantes, de gigantescas
corporações de laboratórios multinacionais ou transnacionais, como queiram. E,
infelizmente, como quase tudo no mundo, serão poucos os que se beneficiarão dos
possíveis bons resultados dessas pesquisas. Óbvio, o beneficiário será só quem
poderá pagar, e muito, por eles.
O programa vai permitir (em alguns
casos, já está permitindo) que doenças hereditárias sejam evitadas ainda no
nascedouro, no ventre materno, com a simples substituição dos genes defeituosos
nos embriões humanos, por seus correspondentes sadios. Reitero, as bases de
nucleotídeos mapeadas (3 bilhões) seriam "letras", arranjadas em
"palavras" e "sentenças", com instruções para a produção de
células. Há, todavia, muito folclore em torno do assunto. É no que dá quando
leigos se metem a tratar de assuntos que não entendem. Muitos colegas meus,
jornalistas, por exemplo, têm escrito, nos últimos vinte anos, matérias a respeito
das quais o mínimo que se pode dizer é que são RIDÍCULAS. Mais desinformam (ou
SÓ desinformam) e não trazem o menor benefício para ninguém. Mas... Deixa pra
lá!
Li, dia desses, que os cientistas
poderão fazer determinadas alterações genéticas nas pessoas de formas, por
exemplo, a que elas suem perfume, acabando assim com o mau cheiro proveniente
do suor. Sei lá, isso está me cheirando a uma deslavada “barriga”, tão grande,
se não maior, que a do “boimate”. Bem, aqui cabem alguns esclarecimentos para quem
não conhece a gíria, o jargão jornalístico e nem o caso que citei. “Barriga”,
nas redações, é como notícias falsas, portanto não devidamente apuradas, são chamadas.
A do “boimate” é a mais ridícula e simultaneamente mais engraçada das tantas
que já vi. Essa “barrigaça”, ou megabarriga, como queiram, foi perpetrada na
edição de 27 de abril de 1983, na polêmica revista semanal Veja. A insólita
matéria, que se tornou lendária nas redações (pelo menos nas do meu tempo na
ativa) foi baseada em uma piada de 1º de abril (o dia mundial da mentira) do
semanário inglês “New Scientist”.
O artigo do brincalhão repórter da
terra da rainha, não identificado, narrava um suposto experimento de dois
cientistas alemães, Barry McDonald e William Wimpey (referências às redes de
lanchonetes McDonald's e Wimpy), da Universidade de Hamburgo. A técnica, de
acordo com o texto, consistia em uma descarga elétrica sobre cultura de tomate
e células bovinas que ocasionava a fusão de seu material genético. O resultado,
após a fecundação da nova célula, era uma fruta de casca semelhante ao couro e
com discos de proteína animal e tomate, intercalados em seu interior. Claro que
isso é (e sempre será) rigorosamente impossível. Contudo, um repórter da Veja
(cujo nome desconheço e se conhecesse, não revelaria), acreditou na veracidade
dessa brincadeira. Traduziu, e repercutiu, a anedota, que considerava como a “notícia
bomba” do milênio, dando, até, o nome de “boimate” a esse inexistente e
fictício produto. O que estranho é o fato da matéria esquisita ter passado
pelas mãos de pelo menos um editor, que a “engoliu” sem pestanejar, sendo,
portanto, mais responsável pela “barriga” do que quem a redigiu. Afinal, tinha
a prerrogativa de derrubar a matéria caso visse algo incorreto nela. Mas... não
viu e não derrubou. Deu no que deu.
No caso do “suor perfumado”, outra
óbvia e evidente “barriga”, caso fosse verdade, muita fábrica de desodorante e
de perfume iria à falência se isso ocorresse. Seria levar a vaidade a extremos.
Se bem que as pessoas costumam investir muito mais em coisas supérfluas, que as
tornem mais bonitas ou mais agradáveis, do que no essencial, no que é útil,
necessário e mais: indispensável. Uma particularidade, que poucos conhecem, é
que da infinidade de genes que temos, os úteis representam apenas 3%, ou algo
como 20 mil (mesmo número, ou quase, da imensa maioria dos outros seres vivos).
Os 97% restantes ou são defeituosos, ou são em duplicata ou jamais são
aproveitados. Os pesquisadores chamam-nos de “lixo genético”. É caso de se
questionar se a natureza é previdente, é perdulária ou é ambas as coisas,
dependendo das circunstâncias.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Talvez seja outra barriga, mas anos atrás, no tempo em que Veja era uma revista, li uma matéria que informava a existência de pílulas que prometiam exalar perfume de flores na área genital,após alguns dias de uso. Detalhe: apenas as mulheres precisariam desse artifício.
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