Dois paladinos de 19
* Por
Rubem Costa
Oswaldo Urban
Na década de 50 do
século findo, exercia em Amparo o cargo de inspetor regional do ensino, quando
conheci um jovem professor que aportara na cidade para reger a cadeira de
pedagogia na Escola Normal. Moço que pela postura de mestre e ampla cultura
desde logo granjeou o respeito da população. Comportamento sóbrio, competente,
douto na disciplina de que era titular e discreto na conduta, nunca estadeou o
conhecimento paralelo que possuía em larga escala sobre música e muito menos o
pleno domínio da batuta que exercitava com maestria. Discrição de “gentleman” a
respeitar a coisa constituída, visto que o educandário já possuía na matéria
uma professora titular de canto orfeônico. Uma questão de respeito à
competência alheia que só os espíritos nobres sabem cultivar. Logo depois,
entanto, na senda do magistério, volveu a Campinas para lecionar psicologia e
filosofia da educação na Escola Normal “Carlos Gomes” . Contudo, tamanha
obrigação não lhe impediu de perseverar na vocação que trazia do berço – a
música. Estava assim posto em trabalho, ensinando psicologia, quando
circunstância eventual o coloca na regência do organismo musical que daí por
diante seria a razão de sua vida – Coral Pio XI – um orfeão que já era e
continua a ser uma oferenda de alegria e paz, canto votivo de vozes masculinas
ecoando a Deus. E fixou-se ali, na regência, a mais emocionante das atividades
desenvolvidas, aquela que lhe fala à existência e segreda ao coração –
instrumento de querença, batuta de afeto que se agita em busca da grandeza da vida.
Nessa empreita, revela-se Urban, um homem que além do Coral sabe dirigir o
próprio viver. E essa sabedoria se reflete no decreto municipal nº 13.301 de
1999 que assim dispõe: – “Art. 1º – Fica oficializado o ‘hino do idoso’ no
município de Campinas.” – Art.; 2º – O hino do Idoso foi escolhido por meio de
concurso público, resultando sua premiação de uma avaliação realizada por uma
comissão oficialmente constituída sagrando-se vencedor o Maestro Oswaldo Urban,
com a letra e música constantes dos anexos” . É dessa ordenação oficial que
retiro os versos que, na sua singeleza, são uma manifestação imensa de
sabedoria:
“É
tão gostoso envelhecer sorrindo
Ser
bom exemplo de honradez e de virtude
Já
ser idoso, velhice não sentindo
Este
é o segredo da perene juventude”.
Conselho de um homem
sábio que na luta da existência aprendeu a edificação da vida.
Rosalvo Madeira Cardoso
Ser admitido ao
vestibular de curso superior, sem jamais ter frequentado antes uma escola
secundária regular? Hipótese difícil na primeira metade do século passado,
quando as exigências para matrícula eram rígidas. Mas o quase impossível
aconteceu. E o personagem central do episódio foi um mineirinho nascido em Rio
Pomba a 18 de dezembro de 1919. Sonhador e irrequieto, ainda na adolescência,
deixou a terra natal e gastou sola para conhecer o mundo. Andou por terras e
mares até chegar a Campinas, depois de abandonar o emprego de telegrafista na
Companhia Mogyana de Estrada sde Ferro. Uma aventura que o fez surgir na PUC,
ainda na década de 40, na casa dos vinte anos, com a decisão de estudar. Jovem
que nunca frequentara escola, trazia na bagagem, como prova única do
conhecimento que adquirira sozinho, um pequeno livro que escrevera nas horas de
solidão – Átomos D’Alma. Volume magrinho em que, todavia, transbordava o
talento de um poeta brilhante. Ousado, foi esse o título de formação
educacional que apresentou para o vestibular de ingresso no curso de letras
anglo-germânicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Contudo, as exigências
oficiais para a inscrição requeriam – como documento fundamental – certificado
de conclusão de curso secundário. Um impasse que seria impossível transpor, não
fosse a clarividência de um espírito nobre que ocupava, então, a reitoria da
Universidade. Percebendo a potencialidade cultural do moço, Monsenhor Salim
desdobrou-se junto aos poderes oficiais competentes até obter a autorização
pretendida. Foi assim que Rosalvo Madeira Cardoso iniciou a vida universitária
que se iria espraiar na amplitude da cultura, revelando uma das grandes figuras
que pela PUCC passaram. De aluno virou professor. Ao longo do tempo, instalou
um currículo tão extenso que não dá para transcrever todo nesta coluna. Direi
apenas que, formado também em direito, traz uma carteira de atividades
recheadas de honrosos títulos: – Professor no ensino oficial do estado, através
de concurso público, simultaneamente, nas cadeiras de português, inglês e
sociologia, além de chefe do Departamento de inglês da Fundação Getúlio Vargas.
Exerceu na própria PUC vários cargos de professor titular (Sociologia Geral,
Sociologia da Educação, Economia da Educação, Coordenador de Estudos de
Problemas Brasileiros. Diretor da Faculdade de Comunicação). Um universo de
conhecimento que rompeu fronteira, rendendo-lhe a outorga nos Estados Unidos do
título de cidadão honorário de Nashville. Ocupa a cadeira nº 7 da Academia
Campinense de Letras.
Em apertada síntese,
esse é, senhores, o perfil do moço que caminhou mundo em busca de um sonho. E,
na esteira da longa jornada, parodiando Paulo de Tarso, pode dizer serenamente
que combateu o bom combate, pelejou a boa peleja, guardou a fé.
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Rubem Costa é escritor e membro da Academia Campinense de Letras.
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