terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Devaneios de uma roqueira 16

* Por Fernando Yanmar Narciso


CAPÍTULO 7(2/2)


Em meia hora, só tinha dado uma ou duas bicadinhas no meu café e Barbie já ‘tava’ a ponto de lamber o fundo da garrafa de uísque pelo gargalo, com um cigarro em cada orelha, esperando pra serem acesos. No outro extremo do balcão o escocês atendia um sujeito esquisito, que parecia ter saído de um faroeste italiano, com uma espingarda velha a tiracolo. Ele fez o pedido mais estranho que eu já ouvi: Leite de vaca com febre aftosa on the rocks. Pode?
- Kurt Cobain... E aí, prima, já relaxou?
- Quê que ‘ocê' acha?- De algum jeito ela conseguiu levantar as pernas e encostá-las em cima do balcão enquanto enxugava as lágrimas...- Daí eu passei o cartão e foi recusado. Passei mais quatro vezes, só dava lona.
- E te fizeram deixar lá sua bolsa como garantia de pagamento? Então foi por isso que eu recebi tanta chamada a cobrar!
- ‘Tava’ no orelhão, Lex, e ocê nem aí, né?
- Sorry, prima, sorry. Coisa de instinto. É que só marmanjo sem uma ‘nica’ no bolso me liga a cobrar...
- Faz dez anos, dez anos que pai praticamente me deu prisão perpétua naquela ratoeira desgraçada. E nesse tempo todo em que cuidei das finanças nosso saldo de banco nunca foi NEGATIVO! Nada no cofre! Zero!
- Tá, mas até onde eu me lembro, a culpa foi só sua, por nunca ter pensado em abrir uma conta sua separada da do posto! Nem eu, descabida e irresponsável do meu jeito, teria comprado guitarra e amplificador usando uma poupança que ‘num’ é a minha! E mesmo se usasse, pensa se eu queimaria 7.500 ‘conto’ em equipamento! Tá pensando que ‘nóis é’ quem, Steve Vai e Satriani? Depois que passou o cartão o banco deve ter até ‘isprudido’!
- Ah, mas ‘ocê’ viu aquela guita maravilhosa, perolizada, de pintura ‘piscodélica’ e no formato de lua! Sabe que eu adoro essas coisas...
- Come on, Barbie! Só por causa de formato de lua, bastava levar seu ‘pau véio’ num marceneiro e ele cortava a guita no mesmo formato!
- Ó, ‘ocê’ ta aqui pra me acudir ou pra me passar pito?
- Os dois, cumádi!
- Ah... Quase tinha esquecido, ô escocês. Mês passado ‘nóis’ fez duas apresentações aqui no bar e ‘ocê’ pediu pra pendurar nosso cachê. Quando sai a grana?
- Quem é que sabe, Bárbara? Desde que subiram o imposto do barril de chope os bares da cidade têm tido um ‘miserê’ que quase dói. Por enquanto a única coisa que dá pra oferecer de pagamento é a birita por conta da casa.
- Acontece que birita ‘num’ paga a conta de 600 ‘conto’ no Ceasa, isso sem falar em todas as contas do posto de gasolina. Até seu javali empalhado ouviu que eu e Lex ‘tamos’ mais quebradas que a cidade!
- Calma, Barbie, calma... Ó, Ulysses vem trazendo aí seus remédios!
Meu ex estacionou a jamanta dele na porta do bar e veio trazendo um maço dos famosos ‘incensos mágicos’ de Vó Ganesha e uma ‘garrafada’ sara-tudo da feira.
- Demorou muito, vagabundo!
- Kurt Cobain, prima! Ó como ‘ocê’ trata quem vem te fazer um favor!
- Sorry pela demora, gatas. Na hora que Lexi me ligou tinha um bronze pegando no meu pé na entrada da cidade...- ‘Bronze’ é o jeito como ele chama os guardas de trânsito, é velho conhecido íntimo de quase todas as delegacias da região.- O oficial veio ‘impricar’ comigo só porque eu tava treinando golfe na estrada...
Barbie ‘panhou’ o maço de incensos da mão dele, acendeu todos de uma vez, pôs dentro da garrafa vazia de uísque e deu uma inalada profunda na fumaça multicolorida. Se tem uma coisa capaz de fazer a cabeça de minha prima voltar aos trilhos, são esses incensos. O semblante tenso e desesperado dela sumiu quase na mesma hora, até as rugas se dissolveram. Acho até que ela começou a balbuciar a letra de Lucy In The Sky With Diamonds enquanto se esparramava de volta no banco. Deu uma golada na ‘garrafada’ e os olhos dela quase ficaram verdes como os meus.
- Vai com calma aí com o fitoterápico, Barbie!
- Me deixa por um tempinho, prima... E aí, vagabundo? Topa passar no fornecedor e levar a comida pro posto?
- Tem que ver se a gasolina dá. O tanque tá quase vazio.
- Então ocê abastece aqui no centro e busca a feira pra gente?- Dei pra ele meus últimos 50 ‘conto’ e mais uns cinco em moedinha de 10 centavos- Toma a chave da loja e o recibo.
- Ocêis não vêm junto? Bárbara devia tirar uma ‘painha’...
- Não dá ainda. A gente precisa tentar conseguir o dinheiro pra pagar a feira.
- Então, tá. ‘Té mais.
- Vai logo, vagabundo!
Uli pôs a cabeça pra fora do bar e berrou, chamando Josué, seu leão-de-chácara oficial.
-Mas então, Barbie. Agora que já deu pra acalmar, tá pensando em fazer o que pra conseguir a grana?
E ela me deu um velho e conhecido olhar atravessado, o mesmo olhar que cowboys dão no saloon antes de sair para o duelo.
- Não... Tem certeza, prima? É isso mesmo que ocê quer fazer?
- Acha que eu tomei três doses duplas de uísque com açúcar pra quê? Se tiver um plano melhor, sou toda ouvidos.
- Holy crap...
Alexia, sua não tão confiável narradora.

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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Um comentário:

  1. As roqueiras Aléxia e Bárbara, da banda Margaridas Psicóticas, são bem diferentes mesmo.

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