O grande segredo
O homem convive com mistérios,
alimenta-se deles, é um mistério... Tenta explicar (em vão) tudo, desde o maior
deles, que é o da natureza e finalidade da sua vida, a detalhes corriqueiros do
cotidiano, aos quais dá interpretações pessoais, mais ou menos lógicas de
acordo com seu preparo intelectual, mas ainda assim empíricas, sujeitas a
mudanças ao sabor dos acontecimentos. Temos que construir nossa personalidade.
Precisamos compor nossa biografia com atos e fatos, com obras e idéias, com
paixão e emoção.
Por que os seres – animais ou vegetais
– nascem, se desenvolvem e se reproduzem, se estão, irremediavelmente,
condenados a morrer? Não seria um desperdício? Há vida em outras partes do
Universo? Caso a resposta seja afirmativa, ela é igual, semelhante ou diferente
da existente na Terra? São perguntas, perguntas e mais perguntas, infinitas
delas, sem respostas sequer satisfatórias...
Tais questões há muito desafiam
filósofos, biólogos, astrônomos e especialistas nas mais diversas áreas da
ciência, sem que ninguém haja sequer se aproximado de uma conclusão minimamente plausível. Os que têm
fé, fundamentam os objetivos da vida na esperança da eternidade, embora de
forma muito vaga, em geral induzida por suas próprias crenças e fantasias. A
maioria prefere mergulhar numa desesperada alienação, "vivendo"
apenas, sem inquirir a si próprios, à sua lógica e razão, sobre significados ou
finalidades.
Dia desses, lendo alguns contos de
Edgar Alan Poe, topei com um intitulado “Leonor”. E nessa insólita história,
deparei-me com esta citação, que me intrigou e suscitou estas descompromissadas
reflexões: “Aqueles que sonham de dia sabem muitas coisas que escapam àqueles
que somente de noite sonham. Nas suas vagas visões obtêm relances de eternidade
e, quando despertam, estremecem ao verem que estiveram mesmo à beira do grande
segredo”.
A que grande mistério – o maior de
todos (e o definitivo) já que o escritor se refere a ele mediante o uso do
artigo “o” e não da palavra “um” – Alan Poe se referiu? À vida? À existência e
transcendência de Deus? À mortalidade ou imortalidade da alma? Qual é, afinal,
este “grande segredo”? O amor? São as amizades? O bem e o mal? Só é possível
ficarmos, mesmo, no terreno das especulações, ou seja, das perguntas sem as
respectivas e convincentes respostas a esse propósito.
Há sentimentos que, por mais peritos
que sejamos no uso da linguagem, por mais expressivos e exatos que sejam os
termos que empregarmos, se mostram impossíveis de serem expressos. Quantas
vezes, em face da pessoa amada, por exemplo, queremos dizer-lhe o quanto a
amamos e só conseguimos balbuciar palavras toscas, que a nós parecem irrisórias
e de imensa indigência!
É certo que os que sabem ler a
linguagem dos gestos, como a profundidade do olhar, a força do sorriso, a magia
do toque, a possessividade do abraço e o desespero do beijo, recebem essas
mensagens. Ainda assim, elas não expressam, na totalidade, a grandeza dos
sentimentos. E muito menos, claro, a do amor. Quantos versos não deixam de ser
escritos por nos fugirem as palavras adequadas que os deveriam revestir!
Ninguém é mais íntimo para nós (e, no
entanto, tão desconhecido) como nós mesmos. Nossas ações e sentimentos não raro
nos surpreendem, para o bem ou para o mal. Temos um potencial imenso de força,
de coragem e de bondade (mas também de maldade) que não sabemos de que tamanho
e intensidade é.
Amiúde nos surpreendemos cometendo atos
reprováveis, ditados pelo inconsciente ou pelos instintos, que nos horrorizam,
porquanto, conscientemente, não nos julgamos capazes de os cometer.
Constituímo-nos em mistério, em feroz e indecifrável Esfinge para nós mesmos. E
por que? Trata-se de um “grande segredo”. Seria o referido por Alan Poe?
Talvez...
O mundo tem tanta coisa sublime e
grandiosa a ser contemplada (concreta ou abstrata não importa) e a vida é tão
curta e passageira, que não podemos nos deter um só instante à beira do caminho
para expressar euforia ou desencanto ou para especulações e indagações. Não
podemos perder tempo. Compete-nos sempre
seguir, avançar, observar, procurar e colecionar fatos, sem nos determos
jamais.
Feriremos, é certo, os pés em pedras
pontiagudas e as mãos nos espinhos que protegem as flores. Mas só seguindo
nosso caminho, sem desânimo e nem vacilações, atingiremos a magnífica alvorada
de luz. E justificaremos, dessa forma, nossas vidas. Entendo que este sim é o
“grande segredo” a que Edgar Alan Poe se referiu (embora não possa jurar que o
seja): o da justificação de uma vida e da descoberta do caminho que nos conduza
a essa consoladora certeza. Tudo o mais... pouco importa!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A busca da consoladora certeza, até aqui tem se mostrado uma frustrante dúvida.
ResponderExcluir