Vírus da
literatura
* Por Pedro J.
Bondaczuk
O "vírus" da literatura
entrou cedo em meu sangue, quando eu era muito garoto, tinha sete anos – se é
que as garatujas que então perpetrei possam ser chamadas com essa pomposa
designação – e nunca mais me largou. Minhas primeiras tentativas infantis foram
exatamente no mais difícil dos gêneros, a poesia, através de versos com a
linguagem de criança (não fui um menino prodígio), mas que tinham lá a sua
força poética.
Meus pais devem ter guardado aqueles
primeiros rabiscos e com orgulho. Muitas vezes repudiei-os, por questão de
vaidade. Hoje, maduro, concordo que sejam preservados, pois foram a raiz de uma
árvore que espero seja forte e frondosa e renda muitos frutos (e não me refiro
a dividendos monetários, que é o que menos importa), no futuro (quanto mais
remoto, melhor).
Muitas vezes me pergunto: se não é por
dinheiro, o que me move a expor perante o público meus sentimentos mais
íntimos, meus sonhos mais loucos, minhas ilusões mais preciosas, meus
desencantos mais doloridos e minhas angústias mais terríveis, em um
desnudamento despudorado da alma, me expondo à chacota dos medíocres e às
críticas ferinas dos imbecis? Generosidade? Ingenuidade? Vaidade?
Talvez tudo isso. Talvez nada disso. Na
verdade, o ato de escrever – e não me refiro ao jornalismo, que é mera
profissão que me garante o sustento e o da família – é uma tentativa de fugir
da morte. Não da física, evidentemente, pois desse destino ninguém consegue
escapar. É uma fatalidade biológica. O que tentamos evitar é o esquecimento, a
forma mais terrível e definitiva de morrer.
Paul Valéry tem uma teoria um pouco
diferente, diria mais cínica, a respeito, mas que pode ser a verdadeira
motivação para o escritor (ou aquele que pretenda ser) não tentar se livrar
desse "vírus", tão definitivo quanto o da Aids. Afirma: "Todo
artista quer inspirar o ciúme até o fim dos tempos".
Talvez seja isso mesmo. Quantas vezes,
ao lermos os clássicos, não gostaríamos de ser os autores de determinado
romance, ou poema, ou ensaio (como os de Henry David Thoreau)! Por isso
tentamos criar, nem que seja um arremedo desses textos eternos. Ciúmes! Nada
mais que ciúmes!
Mas para escrever bem, é preciso que
haja relativa liberdade de manobra. É indispensável que não se
"engesse" a criatividade mediante prazos, compromissos, regras ou
algo que o valha. A propósito, lembro-me de um provérbio taoísta, que li não
sei onde, mas que tive o capricho de anotar, e que diz: "O que faz a mão
tremer na hora de retesar o arco é a obrigação de acertar o alvo".
A arte é manifestação espontânea. Claro
que não implica apenas no que se convencionou chamar de "inspiração".
Aliás, depende muito mais da "transpiração", da pesquisa, da
precisão, do fazer, refazer, tornar a fazer e refazer uma dezena, centena ou
milhar de vezes. Mário de Andrade chegou a demorar 18 anos para dar um conto
por concluído. Por isso foi um contista magistral.
Mas
o escritor paulista pôde agir assim porque não estava "obrigado" a
escrever esse texto. Ninguém estava cobrando prazo e muito menos a maneira como
essa história em particular (não me lembro qual) deveria se desenrolar. Não é
como no jornalismo, quando somos premidos não apenas por horários, mas temos
que adaptar nosso estilo de redigir ao gosto do poderoso (ou puxa-saco) de
plantão. Quem atua nessa profissão sabe o que quero dizer.
Outro equívoco de muito escritor novato
(ou projeto de escritor) é quanto ao tema a abordar. A maioria envereda pelo
terreno da erudição, por assuntos que sequer domina ou aprecia, apenas para
mostrar cultura. Trata-se de um tremendo equívoco. A literatura é uma forma de
comunicação e, como tal, precisa, evidentemente, ser entendida, para satisfazer
seu papel. O caminho mais adequado é o da simplicidade (que não pode ser
confundida com infantilidade, imbecilidade, obviedade ou mediocridade).
Anton Checov, um dos maiores contistas
russos de todos os tempos e clássico universal nesse gênero, recomendou, em
certa ocasião: "Escreva sobre tua aldeia e descreverás o mundo". A
nossa experiência pessoal pode nos parecer pífia ou mesquinha, mas parecerá
assim para os leitores?
E nem me refiro aos do presente, mas
àqueles que tiverem acesso ao nosso texto dentro de vinte, cinqüenta ou cem
anos. Na pior das hipóteses, o que tivermos escrito será um documento
histórico, retratando uma época (a nossa), com seus trajes, costumes, idéias,
angústias, contradições e linguajar. É o que procuro fazer nesta série de
crônicas que venho publicando nos últimos três anos que tem dois objetivos:
O primeiro, é o de ser uma
"conversa" descontraída, como a que temos com os amigos no
"happy hour" depois de um dia desgastante e irritante de trabalho, em
que somos forçados a suportar toda a sorte de cobranças, velhacarias e
aborrecimentos. E o segundo, o de se transformar em um testamento de um homem
comum, de fins do segundo milênio, para supostos leitores do terceiro. E
acredito que pelo menos isto vou conseguir. Tomara...
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Como dizia Milena, a minha mãe: se eu fizer o tempo passa, se eu não fizer o tempo passa do mesmo jeito, então eu vou fazer.
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