“Onde
se ganhar o pão, não se come a carne”
* Por
Rodrigo Ramazzini
- Ufa! Até que enfim
chegamos...
- Eu acho que
precisamos conversar, Maria Isabel.
- Com certeza
precisamos conversar, Pedro Paulo.
- Tu ficaste com a
cara fechada a festa toda. Por quê? O que houve?
- Tu ainda perguntas
por quê?
- Se eu soubesse, não
perguntava.
- Como tu és cínico!
- Mas o que foi que eu
fiz?
- O que foi que
fizeste? Pedro Paulo! Tu tomas uns golinhos de cerveja e ficas todo
assanhadinho...
- Ah tá! Não posso
ficar alegre na festa de confraternização da empresa, agora?
- Pode! Desde que se
comporte...
- Tranqüilo, então!
Porque eu me comportei muito bem.
- A dramaturgia está
perdendo um talento mesmo!
- O que foi que eu
fiz, criatura?
- Vamos parar com essa palhaçada! Vou direto
ao assunto: tu achas que eu não te vi falando no ouvidinho da coleguinha Giane,
hein?
- Com aquele som alto,
queria que eu fizesse o quê? Gritasse?
- Tu achas que eu sou
boba, né?
- Aí meu Deus!
- Aí meu Deus nada!
Podes começar a explicar.
- Explicar o quê?
Ceninha de ciúmes a essa hora não, Isabel. Por favor! Eu quero dormir...
- Como tu podes ser
tão cínico, Pedro Paulo. Era Giane pra cá, Giane pra lá. Tu achas que eu não
percebi? Confessa! Vocês estão tendo um
caso?
- Claro que não! Agora
não posso mais conversar com uma colega de trabalho, hein?
- Conversar é uma
coisa, dar em cima é outra.
- Eu não acredito que
estás pensando isso.
- Pelo o que vi, não
estou só pensando, estou acreditando mesmo... É muita intimidade entre vocês
dois.
- Lógico! A gente
trabalha junto o dia inteiro.
- Com direito a
hora-extra pelo jeito...
- Meu Deus, Isabel!
Nunca ouviste aquele ditado que “onde se ganha o pão, não se come a carne”...
- Palhaço! Ironia em
uma hora dessas...
- Calma! Estava
brincando.
- Confessa! Tu estás
me traindo com aquela vagabunda?
- Não estou! Eu juro,
meu amor...
- Podes confessar, eu
já sei de tudo mesmo... A Marlene me contou durante a festa dos boatos que
circulam na empresa...
- Eu sabia que tinha
dedo da Marlene nesta história. Tu passaste a festa inteira com ela. Como não
me toquei disso...
- A culpa vai ser da
Marlene agora, quer ver...
- Claro, meu amor! A
Marlene tem fama de fofoqueira na empresa, dessas que levam e trazem fofoca,
dessas que gostam de fazer uma intriga, sabe?
- Não começa, Pedro
Paulo! Não distorce a história... A Giane é ou não é tua amante?
- Não estou
distorcendo. É sério! Além do mais, a Marlene e eu estamos disputando uma
promoção na empresa. E nessas horas, meu amor, vale qualquer coisa...
- Por que eu estou com
a sensação que estás me mentindo, hein, Pedro Paulo?
- O que foi que a
Marlene te contou? Diz que eu confirmo ou não.
- Eu duvido tu
confirmares...
- Fala então!
- Ela falou que corre
pelos corredores da empresa que tu e a Giane são realmente amantes, que passam
horas sozinhos trancados no escritório, e que esses dias saíram cedo da tarde e
voltaram somente no final do expediente, inclusive ela de cabelo molhado...
- Eu estou pasmo!
- Pasma fiquei eu! E
tem mais...
- Tem mais?
- Que esses dias uma
das faxineiras encontrou uma calcinha rasgada dentro da lixeira.
- Aí não! Aí passou
dos limites. Tu me conheces bem, então me diz: tu achas que, se realmente eu
fizesse alguma coisa no meu escritório, eu iria cometer a burrice de deixar uma
calcinha dentro do lixo?
- Pois é... Eu achei
meio absurda a história mesmo, mas...
- Então, meu amor! É
pura inveja daquela fofoqueira. Inveja do nosso amor! Inveja da minha
competência profissional! Vêm cá me dar um abraço e um beijo! Vem cá...
- Está bem! Vou acreditar
em ti desta vez. A Marlene nunca me pareceu muito confiável mesmo. Mas estou de
olho em ti, hein!
- Pode ficar
tranqüilo, meu amor! Eu te amo! Só tenho olhos pra ti... Que abraço gostoso!
Dia seguinte no
escritório, no “cantinho do café”.
- Pô, Marlene!
- Fala baixo.
- A história da
calcinha foi braba de engolir, hein?
- Foi o que me veio na
cabeça na hora, Pedro Paulo. Queria que eu fizesse o quê?
- Mas está ótimo! Foi o que me salvou...
- Deu certo, então?
- Arãn! A Isabel ficou
com a pulga atrás da orelha! Está achando que eu e a Giane temos um caso...
- Que bom!
- Hoje, depois do
expediente?
- Arãn!
- Vamos ao mesmo motel
da semana passada?
- Pode ser...
* Jornalista e contista
gaúcho
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