O que é ser brasileiro, afinal?
* Por
Magali Moser
No Programa
Provocações, da TV Cultura, o apresentador Abujamra costumava repetir a
pergunta para cada entrevistado: “você tem algum tipo de emoção patriótica ao
ouvir o hino nacional?” A maioria dos entrevistados que assisti até hoje
responde com um sonoro não. A pergunta sempre ecoou em mim. Agora, sete meses
morando fora do meu país, começo a pensar ainda mais sobre brasilidade e
nacionalismo. O que nos faz cidadãos brasileiros, afinal? O fato apenas de
termos nascido em um determinado território, no mesmo espaço geográfico?
Emocionar-se ouvindo o hino ou diante da bandeira nacional em cada 7 de
setembro? Vibrar com uma vitória do país na Copa do Mundo? É possível ter uma
identidade nacional diante das múltiplas identidades que coexistem na mesma
nação?
Sempre tive interesse
em saber como o Brasil é visto mundo afora. Aqui, separada por um oceano do
lugar onde eu nasci e vivi a maior parte da vida, passo a entender melhor o que
nos constitui enquanto brasileiros. Viver num outro país garante a
possibilidade de questionar com mais veemência o que de fato constroi a
identidade nacional, além de nos colocar em contato com outro modo de vida,
novos hábitos, valores e permitir que olhemos de “fora para dentro” com mais
criticidade. Samba, mulatas, futebol. O senso comum tem a imagem pronta do
Brasil. Quando cheguei à Alemanha, lembro da surpresa de minha colega de WG,
como são conhecidas as repúblicas aqui, sobre minha cor da pele: “Eu achei que
você fosse mulata, estava esperando que tivesse a pele escura, como uma
legítima brasileira”. Tentei não demonstrar meu incômodo com aquele comentário,
mas ele ressoou dentro de mim por dias. O que é de fato ser brasileiro? De que
forma somos vistos pelos estrangeiros? E as situações se repetiram de outras
formas. Basta ser apresentada a novos amigos aqui, quando sabem minha
nacionalidade, os comentários inevitáveis sempre aparecem: “se é brasileira
então é boa de samba no pé”. E outros estereótipos que não valem a pena
mencionar.
Mas também coleciono
momentos de celebração da brasilidade em terras estrangeiras, e, posso
assegurar, eles são muito mais! Um dos momentos mais felizes aqui na Europa foi
a oportunidade de participar da nona edição do Festival de Filmes de Zurique,
justamente no dia em que a programação era composta apenas por curtas
brasileiros. Que maravilha poder contemplar aqui excelentes produções nacionais
como Quinha e O ovo de dinossauro na sala de estar! Sem falar no excelente O
Som ao Redor, que também foi atração do festival. Um outro momento especial
aqui foi participar de uma manifestação em Colônia em apoio aos manifestantes
brasileiros, no período em que explodiam os protestos no país. Juntar-se àquela
multidão, mesmo à distância…
Mas se é para falar de
brasilidade, o grande momento foi o encontro com os escritores brasileiros
participantes da Feira do Livro de Frankfurt, justamente no ano em que o Brasil
é homenageado. Foi uma noite linda, em Colônia! Participaram os escritores
Daniel Galera, Andréa del Fuego, Beatriz Bracher, João Paulo Cuenca, Luiz
Ruffato e Paulo Lins, sendo que não conhecia a obra da maioria deles,
especialmente os da nova geração. Após a explanação, pude conversar
pessoalmente com Paulo Lins e Luiz Ruffato. Os escritores evidenciaram a
insatisfação com o momento atual pelo qual passa o Brasil. Lembraram da greve
dos professores no Rio de Janeiro e da escandalosa reação da polícia. Falaram
da ideia de fazer um manifesto público em apoio aos educadores, durante a Feira
do Livro de Frankfurt.
Agora acabo de ler o
discurso de abertura de Ruffato na Feira. E fiquei absolutamente emocionada
pela sobriedade e lucidez. Reproduzo aqui o trecho final e mais belo, na minha
opinião:
“Eu acredito, talvez
até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira
analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de
botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente
de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com
os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma
pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a
sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado
culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos
despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto
como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro – seja ele o imigrante, o
pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual – como tentativa de nos
preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir.
Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor
a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo.
Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o
destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a
felicidade na Terra. Aqui e agora.”
Em um país de
dimensões continentais, construído por tantas crenças, culturas e costumes,
marcado por fortes diferenças regionais e desigualdades, há uma identidade
brasileira comum para todo cidadão? Afinal, o que significa ser brasileiro? Um
país de diversas cores, formas, contrastes, hábitos, texturas, diversidade. Um
povo multicultural. A mistura de todas essas características chega à
brasilidade, esse mix de costumes. Darcy Ribeiro no clássico O povo Brasileiro
já dizia: surgimos “da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor
português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e
outros aliciados como escravos.” Por isso, chego à conclusão de que, para além
de estereótipos, tipos físicos e culturais, pertencer a uma mesma nação é
compartilhar a mesma cultura a fim de, como sugeriu Ruffato em seu discurso,
tentar transformar o país num lugar melhor pra se viver.
*
Jornalista
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