Noventa minutos
* Por
Rodrigo Ramazzini
- Cheguei amor! Fui entrando, a porta
estava aberta de novo. Eu já te avisei sobre essa porta, hein? A hora que te
assaltarem... E aí, tudo bem?
Mário Antônio, deitado no sofá, fez
apenas um sinal de positivo com o polegar direito. Larissa, sua namorada, segue
falando, enquanto começa a abrir uma sacola com roupas.
- Resolvi antecipar a minha vinda pra
cá. Sei que hoje é quarta-feira, mas eu prometo não atrapalhar. É que me bateu
uma saudade do meu amorzinho. Nossa! Não me agüentava mais de saudade... Ah! E
além do mais, pra quem viria na sexta-feira mesmo, antecipar dois dias não é
nada. Gostaste da surpresa?
- Arãn.
- A minha mãe não gostou muito da idéia
de eu vir hoje.
- É.
- É! Falou que daqui uns dias eu vou acabar
vindo de vez. Mas eu respondi que não, que tu estavas curtindo morar sozinho
por enquanto, mas que gostava da minha companhia, coisa e tal... Aquelas coisas
que qualquer mãe implica. Tu sabes como é!
- Arãn!
- Mário Antônio! Tu estás me ouvindo?
.- Estou Larissa! Estou...
- Não dá para tirar esses fones de
ouvido enquanto falo contigo?
Mário Antônio tira os fones de ouvido e
senta-se no sofá.
- Fala...
- Ah! Agora que eu vi. Vai começar o
jogo na televisão, né? É o teu time que vai jogar?
- É...
- Já vi que não vou ganhar atenção de
novo.
- Não começa Larissa!
- Não começa o quê? É sempre assim em
dia de jogo... Tu colocas esses fones de ouvido e ficas como uma estátua na
frente da TV.
- Meu Deus!
- Meu Deus, digo eu... É sempre a mesma
coisa! Fico sem ter com quem conversar, sem atenção, sem carinho... Enquanto tu
assistes um bando de homem correndo atrás de uma bola...
- Larissa! São apenas noventa minutos.
Depois eu te dou atenção... Tu sabes muito bem que eu gosto de futebol, e que
quarta e domingo são dias de jogos, então...
- Tu gostas mais desse teu time do que
de mim...
- Pára! Sem ceninha de “eu sou carente,
ninguém ama”...
- Mas é... Sempre que eu quero a tua
atenção, nunca ganho.
- E essa tua carência de atenção
precisa ser justamente no horário do jogo?
- Agora vou ter que programar a minha
carência? Hoje pode. Hoje não pode a partir das 22h...
- Quando tu queres complicar, sai da
frente...
- Eu não complico nada. Tu que fazes as
coisas ficarem complicadas.
- Sou eu sim! Deixa-me assistir ao jogo
agora. Já vai começar...
Emburrada. Larissa pega o telefone e a
bolsa e grita.
- Vou sair!
90 minutos depois...
- Larissa! Larissa! Meu amor...
Ela entra na porta.
- Oi meu amor! Pronto. Agora sou todo
seu. Por onde andaste?
Larissa arruma o cabelo molhado e com
um sorriso sarcástico responde.
- Por aí...
*
Jornalista e contista gaúcho
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