Faz-nos crescer...
O eminente e polêmico filósofo francês, François Marie
Arouet, que se consagrou e passou para a história com o cognome de Voltaire,
escreveu, em um de seus tantos ensaios, que “a leitura engrandece a alma”.
Tomada assim, de forma isolada, fora do contexto, a citação parece, somente,
arroubo de retórica. Dá a impressão de ser um desses tantos lugares-comuns, que
as pessoas citam, sem sequer atentarem para o conteúdo. Quem conhece, porém, o
pensamento desse filósofo, defensor intransigente das liberdades civis,
principalmente da religiosa – em uma época em que isso era imensa temeridade,
que poderia resultar, até mesmo, na morte de quem ousasse agir assim – sabe que
não se trata de mero clichê.
Voltaire foi um dos principais expoentes da corrente filosófica
conhecida como “Iluminismo”, cujo próprio nome já sugere sua linha de
pensamento. Quando ele nasceu, nos últimos anos do século XVII – em 21 de
novembro de 1694 – a Europa, e o mundo ocidental, mal estavam saindo de um
longo período de trevas, que durou cerca de um milênio, conhecido como Idade
Média. O meio prioritário de instrução, no seu tempo, estava distante de ser a
leitura, considerada, ainda, um “luxo” pela elite europeia, tida e havida como coisa
das “classes subalternas”, dos pequenos burocratas que atuavam nas várias
cortes do Velho Continente, na concepção então vigente. Havia reis e rainhas
(pasmem) e não poucos, absolutamente analfabetos, que não sentiam a mínima
falta de leitura. O mesmo ocorria com boa parte dos nobres que os cercavam.
Apesar de, quando Voltaire nasceu, a invenção de Johannes
Guttenberg – os tipos móveis – haver completado mais de dois séculos (ocorreu
por volta de 1450), a publicação de livros era, ainda, processo bastante
trabalhoso e, por isso, caro. Eram, portanto, bens relativamente raros e
considerados “supérfluos”. Ademais, as taxas de analfabetismo da população eram
altíssimas (isso, na instruída Europa). A leitura, portanto, era, mesmo, um “luxo”.
E que luxo! Foi nesse contexto que Voltaire fez a declaração que citei, que
hoje nos soa como o óbvio do óbvio, mas que naquele tempo não era. Quando o
filósofo morreu, em 30 de maio de 1778, o panorama já era bastante diferente,
mesmo que longe do ideal. Mas, afinal, a “leitura engrandece mesmo a alma”
(tomada, aqui, não no sentido religioso, mas no da inteligência e da razão)?
Muitos acham que não. Pobres destes!
Da minha parte, posso assegurar que, pelo menos 80% do que
sei aprendi nos livros. Foram eles que mais me “engrandeceram a alma”. É certo
que me instruí também por outros meios. Aprendi muito com os professores com os
quais tive o privilégio de contar. Devo citar, também, a observação do que me
cercou, as conversas com pessoas sábias, as várias viagens que fiz etc.etc.etc.
como fontes de aprendizado E, recentemente, aprendi (e venho aprendendo) demais
com os tantos documentários que assisti e continuo assistindo na televisão a
cabo. Mas nenhum desses meios foi tão eficaz e direto quanto a leitura. Esse
hábito, óbvio, não adquiri sozinho. Foi-me incutido desde tenra infância (e
tenra mesmo) primeiro pelo meu saudoso e sapiente pai, senhor Ananii e, na
sequência, pelo meu tio materno Jan Kraszczuk que, tão logo aprendi a ler,
presenteou-me com livros e mais livros, nem sei quantificar quantos. Cá estou
eu, de novo, personalizando um texto. Mas como deixar de fazê-lo num caso como
este?! Como tratar de um assunto que envolva experiência, sem pleno
conhecimento de causa? A minha conheço bem. Já a de outros... A experiência de
terceiros nunca será confiável como a própria. Caso outras pessoas ma
relatassem as suas, poderiam (o que seria muito provável de ocorrer) subestimar
ou superestimar seus casos, mesmo que inconscientemente, sem nenhuma malícia.
E por que “a leitura engrandece a alma”? Posso encontrar a
resposta, por exemplo, neste trecho de um sermão do padre Antonio Vieira: “Quem
não lê, não quer saber; quem não quer saber, quer errar”. Sem leitura das
prédicas do mais completo estilista de língua portuguesa eu poderia chegar a
essa conclusão? Dificilmente!!! Jorge
Luís Borges, neste trecho de um de seus ensaios, reforça o argumento sobre esse
engrandecimento: “Chega-se a ser grande por aquilo que se lê e não por aquilo
que se escreve”. Neste século XXI, que
poderia ser o século das luzes pelas facilidades de instrução que propicia,
milhões e milhões de pessoas ao redor do mundo não cultivam o saudável hábito
da leitura, embora alfabetizadas. Essa situação chegou a alarmar o saudoso
presidente sul-africano Nelson Mandela, um dos mitos do nosso tempo, e levou-o
a desabafar, em um discurso, em tom de lamento: “Hoje, uma das tristes
realidades é que pouquíssimas pessoas, em especial jovens, lêem livros. A menos
que encontremos formas imaginativas de resolver esse problema, as futuras
gerações arriscam-se a perder a sua história”.
Uma das tantas vantagens do livro é a possibilidade da
releitura. Caso algum aprendizado seja esquecido ou ficado incompleto, podemos
relê-lo, na fonte em que o bebemos, uma, duas, cem mil vezes, tantas quanto se
desejar, até que tais conceitos se fixem de vez na memória. Nesse aspecto,
aliás, acho pertinente a declaração do saudoso poeta Ledo Ivo, membro da
Academia Brasileira de Letras, que disse, em uma entrevista: “O meu leitor não
é o que me lê. É o que me relê (caso exista). O autor lido unicamente uma vez,
não tem leitores, por mais retumbante que seja o seu sucesso”. Qual outro meio,
se não o da leitura, propicia o verdadeiro “engrandecimento da alma”, como
Voltaire declarou? Ouso afirmar, sem receio de ser contestado: NENHUM!!!
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Reli poucas coisas que não eram da escola, assim como revi pouquíssimos filmes. Muito se perdeu. Não terei tempo de relê-los.
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