Consensual sábio da Grécia
A importância de Tales de Mileto para a humanidade vai muito
além do fato dele ser considerado o primeiro filósofo do Ocidente. Na realidade
não foi (e a mais elementar das lógicas indica isso). Mas é, em termos cronológicos,
o primeiro pensador do Ocidente de quem restaram as principais ideias, graças,
sobretudo, ao empenho de Aristóteles. Não faz mal algum deixar que fique com
essa primazia, ora bolas! Pelo que se sabe dele, Tales foi um homem ávido por
conhecimentos, que buscou onde mais
poderia encontrá-los e absorvê-los. Para tanto, viajou, e muito, e num tempo em
que se deslocar de uma cidade para outra, localizada, digamos, a 50
quilômetros, era uma aventura que exigia coragem e disposição. Ainda mais
quando a viagem era feita a pé.
Tales, por exemplo, aprendeu Astronomia com os maiores
especialistas na matéria, na época: os caldeus, que estavam muito à frente dos
outros povos no que diz respeito a essa ciência. E também com os babilônios. No
Egito, absorveu ensinamentos preciosos sobre construções, além de se
aperfeiçoar em matemática. E vai por aí afora. Em cada lugar que esteve,
aprendeu alguma coisa nova, e útil, quer para ele, quer para sua comunidade. Não
por acaso, tem seu nome marcado na História do conhecimento e da cultura como
um dos sete sábios da Grécia.
Observe-se que essa relação variou muito ao longo do tempo,
com vinte e dois nomes diferentes citados, sempre na escala de sete. Todavia,
em nenhuma dessas listas jamais Tales de Mileto foi excluído. E ninguém
consegue tanto prestígio intelectual, convenhamos, de graça, sem que tenha
méritos para isso. Até porque, a tendência humana (que nunca mudou) é a de
depreciar pessoas notáveis e não de reconhecê-las. A relação mais aceita (posto
que não consensual) dos sete sábios da Grécia, a elaborada pelo historiador
grego, que assumiu a cidadania romana, Plutarco, é: Tales de Mileto, Bias de Priene,
Pitaco de Mitilene, Sólon de Atenas, Quilon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e
Anacarses. Já a lista do escritor romano Higino varia em um único nome. Inclui
Periandro de Corinto, com a exclusão de Anacarses.
Outros nomes, que aparecem em algum desses “rankings” de
sabedoria, além dos citados, são: Periandro, Míson, Aristodemo, Epiménides,
Leofanto, Pitágoras, Epicarmo, Acusilau, Orfeu, Pisístrato, Ferecides,
Hermióneo, Laso, Panfilo e Anaxágoras. Todavia, de nenhuma dessas tantas listas
Tales de Mileto é excluído. Merece, pois, com todas as honras, a classificação
de “gênio”, que de fato foi. Não importa que sua teoria, de que a água é a
substância primordial de todas as coisas, tenha sido derrubada e que hoje
muitos a considerem ridícula. Quem age assim, todavia, com tamanha irreverência
(ou seria burrice?) e falta de respeito é incapaz, entre tantas outras coisas,
de ao menos contextualizar seja o que for. Porém, para a época em que Tales
viveu, essa idéia era absolutamente revolucionária.
Leio, na enciclopédia eletrônica Wikipédia, a transcrição do
seguinte trecho do livro do polêmico filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “A
Filosofia na idade trágica dos gregos”, em que ele comenta as conclusões desse
sábio de época tão remota: “A Filosofia grega parece começar com uma idéia absurda,
com a proposição: a água é a matriz e a origem de todas as coisas. Será mesmo
necessário determo-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em
primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas;
em segundo lugar, porque o fazs sem imagem e fabulação e, enfim, em terceiro
lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida (estado latente,
prestes a se transformar), está contido o pensamento: ‘Tudo é Um’. A razão citada
em primeiro lugar, deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e
supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e o mostra como investigador
da natureza, mas em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo
grego”. E eu aduziria: pelo menos cronologicamente.
Como ocorre com quase todo sujeito famoso, há muita lenda em
torno do sábio de Mileto. Plutarco relata uma delas, que não se sabe se é
ficção ou se tem algum fundo de verdade. Não ponho minha mão no fogo. A
referida versão dá conta que, “usando seu conhecimento astronômico e
meteorológico (provavelmente herdado dos babilônios), Tales previu excelente
colheita de azeitonas com um ano de antecedência. Sendo homem prático,
conseguiu dinheiro para alugar todas as prensas de azeite de oliva da região e,
quando chegou o verão, os produtores de azeite tiveram que pagar a ele pelo uso
das prensas, o que o levou a ganhar uma grande fortuna com esse negócio”.
É fato? É lenda? Se não for realidade, é como dizem os
italianos: “se non é vero é bem trovato”. Não se pode duvidar, no entanto, do
espírito prático de um sábio. E, como demonstrei acima, Tales de Mileto firmou
prestígio, que permanece três milênios após sua morte, de sabedoria e
praticidade. Foi, portanto, um gênio, digno de reverência e de imitação.
Boa leitura.
O Editor.
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"a tendência humana (que nunca mudou) é a de depreciar pessoas notáveis e não de reconhecê-las." Verdade. Reparo que as considerações de Friedrich Nietzsche também foram geniais.
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