quarta-feira, 8 de julho de 2015

Botar a língua


* Por Mara Narciso


Medir forças engalfinhando-se verbalmente é o que tem ocorrido de forma fervorosa nas redes sociais. Cada qual com suas convicções e o melhor, a certeza de ser superior ao outro que defende uma visão oposta, exalta-se febrilmente. O importante não é posicionar-se, mas marcar território e afirmar que o seu lado vai ganhar a briga. Sabe aonde isso vai levar? Ao mesmo lugar em que ambos estão: ali mesmo, buscando impor aquilo que pensa que escolheu. Muitos seguem pelo efeito de manada. Eu posso também, em algumas circunstâncias, seguir esse mesmo caminho, o da Maria vai com as outras. A solução desses casos é inviável, pois se apelam para palavrões, ameaças e, no calor das palavras, caso um visse o outro ao alcance do braço, tapas e murros aconteceriam. A civilidade ficou no passado.

Fora do virtual, uma criança, quando fortemente contrariada, sem ter o que dizer, nem como dizer, põe a língua para fora. Coisa de gente pequena, que não tem palavras, porta um físico fraco, e não tem como ganhar no grito. Como última medida, estira a língua, dando sinal de que não se submete, e de que continuará implicante e transgredindo. A pirraça leva a mãe ao extremo da irritação.

O adulto, quando quer desarmar o outro, pode utilizar-se do mesmo recurso, ainda que tenha o que dizer, mas entende que não vale a pena. É que algumas pessoas mostram-se tão cobertas de razão, tão cegas em suas certezas, que não compensa gastar conversa. Nesses casos, é melhor ignorar, mas, caso decida-se pela zombaria, para desarmar completamente quem pensa estar certo, não há nada mais decepcionante do que ver seu oponente mostrar a língua. Surpreso, o ofendido sente-se envergonhado pela troça.

Comum na Europa, por a língua para fora não era atitude utilizada por africanos e indígenas brasileiros (Luiz da Câmara Cascudo). Significa escárnio e injúria, num atrevimento da mais alta provocação. Não é bonito, mas funciona, até mesmo pelo fator surpresa. O desapontamento do adversário é real, enquanto ferve de raiva, pensando: eu mato, eu esgano esse idiota.

O gesto é a imagem do deboche caricato, símbolo de puro inconformismo. Indica um último recurso de desabafo primitivo. Na versão médica, sob a ordem do profissional de se mostrar a língua, há quem se sinta surpreso, sorria e questione. Mas estira o órgão da fala, meio constrangido, depois de dizer estar com a boca seca, e, invariavelmente tentar engolir a saliva.

Então, quando se sentir injuriado e quiser protestar, não grite. Vá por um caminho mais tosco, bárbaro, rude, mas de pura liberdade. Nunca fez isso? Experimente. Mostrar a língua é garantia de catarse.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



3 comentários:

  1. Lembrei-me de meu filho que no auge da ira botava a língua pra fora e me chamava de boba. Desarma qualquer um!
    Ótimo texto! Muitos abraços pra ti

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Baseei-me numa criança de quatro anos que usava essa arma. Obrigada, Núbia.

      Excluir
  2. Língua de fora, em último caso. Só quando a língua-linguagem não tiver mais nada nem como dizer... Abraço, Mara.

    ResponderExcluir