Botar a língua
* Por
Mara Narciso
Medir forças
engalfinhando-se verbalmente é o que tem ocorrido de forma fervorosa nas redes
sociais. Cada qual com suas convicções e o melhor, a certeza de ser superior ao
outro que defende uma visão oposta, exalta-se febrilmente. O importante não é
posicionar-se, mas marcar território e afirmar que o seu lado vai ganhar a briga.
Sabe aonde isso vai levar? Ao mesmo lugar em que ambos estão: ali mesmo,
buscando impor aquilo que pensa que escolheu. Muitos seguem pelo efeito de
manada. Eu posso também, em algumas circunstâncias, seguir esse mesmo caminho,
o da Maria vai com as outras. A solução desses casos é inviável, pois se apelam
para palavrões, ameaças e, no calor das palavras, caso um visse o outro ao
alcance do braço, tapas e murros aconteceriam. A civilidade ficou no passado.
Fora do virtual, uma
criança, quando fortemente contrariada, sem ter o que dizer, nem como dizer,
põe a língua para fora. Coisa de gente pequena, que não tem palavras, porta um
físico fraco, e não tem como ganhar no grito. Como última medida, estira a língua,
dando sinal de que não se submete, e de que continuará implicante e
transgredindo. A pirraça leva a mãe ao extremo da irritação.
O adulto, quando quer
desarmar o outro, pode utilizar-se do mesmo recurso, ainda que tenha o que
dizer, mas entende que não vale a pena. É que algumas pessoas mostram-se tão
cobertas de razão, tão cegas em suas certezas, que não compensa gastar
conversa. Nesses casos, é melhor ignorar, mas, caso decida-se pela zombaria,
para desarmar completamente quem pensa estar certo, não há nada mais
decepcionante do que ver seu oponente mostrar a língua. Surpreso, o ofendido
sente-se envergonhado pela troça.
Comum na Europa, por a
língua para fora não era atitude utilizada por africanos e indígenas
brasileiros (Luiz da Câmara Cascudo). Significa escárnio e injúria, num
atrevimento da mais alta provocação. Não é bonito, mas funciona, até mesmo pelo
fator surpresa. O desapontamento do adversário é real, enquanto ferve de raiva,
pensando: eu mato, eu esgano esse idiota.
O gesto é a imagem do
deboche caricato, símbolo de puro inconformismo. Indica um último recurso de
desabafo primitivo. Na versão médica, sob a ordem do profissional de se mostrar
a língua, há quem se sinta surpreso, sorria e questione. Mas estira o órgão da
fala, meio constrangido, depois de dizer estar com a boca seca, e,
invariavelmente tentar engolir a saliva.
Então, quando se
sentir injuriado e quiser protestar, não grite. Vá por um caminho mais tosco,
bárbaro, rude, mas de pura liberdade. Nunca fez isso? Experimente. Mostrar a
língua é garantia de catarse.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Lembrei-me de meu filho que no auge da ira botava a língua pra fora e me chamava de boba. Desarma qualquer um!
ResponderExcluirÓtimo texto! Muitos abraços pra ti
Baseei-me numa criança de quatro anos que usava essa arma. Obrigada, Núbia.
ExcluirLíngua de fora, em último caso. Só quando a língua-linguagem não tiver mais nada nem como dizer... Abraço, Mara.
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