Destino
de Gulliver
* Por Daniel
Santos
Alto, louro, olhos azuis: gringo,
visivelmente. Vinha de torso nu pelo calçadão da praia para mostrar, talvez, o
maciço musculoso que erigira, na certa, em alguma academia e à custa de
refeições balanceadas.
Quadril estreito, ombros largos, pernas
arqueadas de caubói, o desfile da sua imponência colocava os nativos em
desvantagem, ou assim sentiam-se, embora nada dissessem, mordidos de
inconfessável despeito.
Mas aí aconteceu. Movediços como a duna
de onde desceram armados de ripas, garotos de rua cercaram o latagão que,
apesar da ferocidade dos bíceps, se fragilizou. Sorriso amarelo, estacou
intimidado.
Surpresos com o incompreensível receio,
os miúdos gargalhavam como criaturinhas de Lilliput em torno ao gigante que,
para se safar, ofereceu relógio, tênis
... Mas o pivete pediu “tio, paga um guaraná?”
Sem entender, o gringo apavorou-se, mas
não reagiu e, vexado da própria covardia, enrubesceu. Quanto mais vermelho,
mais os magrelas se riam dele. Só mais tarde, humilhado de autocrítica, voltou
ao hotel.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
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