quarta-feira, 11 de julho de 2012

Saudades de 1989


* Por Mara Narciso

Aos mais jovens pode parecer impossível, mas houve uma época em que os candidatos a cargos eletivos eram pessoas totalmente diferentes entre si, claros em seus propósitos, defendendo objetivos específicos, e em certas situações, ocupando posições diametralmente opostas. Isso ficou cristalino aos eleitores nas eleições presidenciais em 1989. Cada um era o que era e pertencia a partidos políticos cujos projetos e propostas para o país podiam ser separados sem erro. Os programas de governo eram claros, e os discursos tinham coerência. Não se misturavam direita e esquerda. O eleitor comum compreendia os candidatos.

Em 2012 a campanha política começa confusa e desastrosa, mas o que mais incomoda na festa da democracia são as alianças espúrias, as tentativas de juntar os irreconciliáveis, o desejo de se misturar água e óleo. Não vemos apenas uniões fortuitas de quem pensava diferente no varejo, mas pensava igual nas grandes questões. Vemos inimigos viscerais de décadas trocando tapinhas nas costas e oferecendo sapos gordos, nada palatáveis para atravessar a goela do eleitor. É preciso que se lhes dê um sonoro não.

A campanha eleitoral de três meses seria o período em que o cidadão conheceria os candidatos para escolher quem represente seus anseios e necessidades dirigidos ao bem-comum. E o que temos? Muitos rostos de outros carnavais, eleitores desestimulados e sem vontade de votar devido às tempestades de denúncias de corrupção e visão de inimigos unidos pelo tempo na TV. A eleição deveria ser o clímax da democracia, mas está sendo um pesadelo.

É senso-comum dizer que quem não gosta de eleição e não se manifesta, verá alguém se interessar e escolher por ele. Como os candidatos estão parecidos, numa mescla de composições incoerentes, parece complexo separar um entre os demais. Os 15 vereadores de Montes Claros (serão escolhidos 23 na próxima eleição) parecem não gostar de reunião, quase não comparecem, não se interessam pelos temas discutidos, e nem se lembram de qual foi o assunto da última vez. Quando presentes, manifestam aborrecimento. Não é tudo, mas é também um dos motivos para as resoluções dos problemas do município não saírem do papel. Não motivar a população levará a permanência desses erros.

Se há um assunto que devia ser melhor discutido é a política. O voto é o momento sublime em que é dado ao cidadão opinar para ver acontecer seu sonho. E, embora as eleições locais sejam as que mais mobilizam a população e atiçam paixões, desculpe Gonzaguinha, não dá mais pra segurar, explode chateação.

Antes de mudar o governo, há de se mudar os governados. O eleitor comum não está dócil. Mostra indignação, faz críticas duras, afirma que não vai votar, mas por detrás o que o move são interesses particulares, favores, benesses, promessas de emprego. Enquanto for assim, não acontecerão as mudanças necessárias, nem um maior envolvimento da população na escolha. É preciso ver quem tem a melhor proposta e condições de colocá-la em prática, especialmente se há verba para esse fim. Promessas mirabolantes e sem possibilidade de execução, um jovem com imaginação faz um plano de governo. No mundo real o caminho é outro.

Em 1989 direita era direita, esquerda era esquerda (isso ainda existe?). Cada um optava para o lado em que melhor lhe convinha. A ideologia se esfacelou nas coligações de ocasião, os projetos políticos são meramente pessoais, e os eleitores desnorteados pedem água. Não pretendo ser sabichona e as minhas reflexões, não nego, estão cheias de clichês. Meu desejo é que os candidatos encontrem o caminho da sinceridade. O eleitor agradece por esse gesto de respeito.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/

9 comentários:

  1. Eu estava do lado oposto, com Lula, uma louca numa cidade onde inicialmente (agosto)todos estavam ávidos para "collorir o Brasil", mas quem sabe? Itamar escolheu Fernando Henrique Cardoso, e criou o Plano Real. Se o mandato de Collor tivesse chegado ao fim, teríamos outras histórias para contar. E gostaria que tivessem sido boas.

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  2. Pois é, Mara. Lembro bem dessa eleição, a do famoso debate editado pela Globo... lembro também dos meus distantes 25 anos na época. E concordo com você que os contornos ideológicos dos candidatos eram mais definidos, embora muitas das figuras continuem as mesmas, né? Abraços e parabéns.

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    1. O chamado "Quarto Poder" está na memória de muitos. Algumas coisas melhoraram, outras parecem pior. Mas não perco as esperanças. Obrigada, Marcelo.

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  4. Falta democracia, Mara. Continua ocorrendo no nosso país uma inversão de valores de fazer vergonha aos que têm caráter. Color, Sarney, Lula, FHC, Maluf..., todos são "farinhas do mesmo saco!!! É bom lembrar que na ditadura militar, muitos políticos e religiosos queriam militarizar-se. Mas, devido à idade,apelavam para os amigos fardados. Época dos araques e dos milicos. Hoje, o País está muito longe de chegar a uma democracia de verdade. Infelizmente, sempre o meu voto é Verde & Branco!!!

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    1. Eram farinhas de sacos diferentes em 1989, e que depois se misturaram. Por isso tenho saudades dessa época, Calvino. Agradeço por se manifestar.

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  5. O nome de maior credibilidade no Estado de Goiás era Demóstenes Torres(!!!)... Antes mesmo da sua cassação, ocorrida nesta data, seu partido já havia perdido os rumos da corrida eleitoral à Prefeitura de Goiânia. Acabaram por não lançar candidato próprio, preferindo apoiar outro partido. A esperança na política de Goiás foi arrastada pelas águas do "Cachoeira"...

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    1. Lamentável. Tira a esperança de um estado inteiro. Vi a fala de Demóstenes Torres. Um cérebro privilegiado com uma argumentação brilhante e uma retórica irretocável. Conseguiu convencer a mim e a 19 senadores, mas não deu. Obrigada pela passagem, Marleuza.

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  6. A fidelidade aos ideais, ou mesmo ter ideais que alcance o cidadão comum. Infelizmente o analfabetismo politico passa pelo medo, a omissão e a barganha...

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