sexta-feira, 20 de julho de 2012

Genial e misterioso

O ano de 2012 assinala os 77 anos da morte de uma das personalidades mais controvertidas e fascinantes da literatura de língua portuguesa (e, por que não dizer, mundial), não apenas como o originalíssimo e criativo escritor que foi, paradigma de toda uma geração de poetas (no Brasil e no além mar), mas, e sobretudo, como ser humano, arredio, atormentado e misógino até, mas que através dos seus textos conseguia despertar (continua despertando) profunda empatia nos leitores.

Refiro-me a Fernando Antonio Nogueira Pessoa, que faleceu em 30 de novembro de 1935, no Hospital São Luís dos Franceses, em Lisboa, onde havia sido internado na véspera, em decorrência de uma "cólica hepática", conforme diagnóstico dos médicos locais.

Publicou, em vida, com o seu nome de batismo, apenas um livro: "Mensagem", em 1934. No entanto, não se trata, como os leigos podem imaginar, daqueles escritores do tipo do mexicano Juan Rulfo, de uma única e solitária obra, mesmo que genial. Pelo contrário. Sua produção foi copiosa, variada, densa e, sobretudo, estilisticamente prolífica e original, o que o torna tão interessante, principalmente para os amantes da boa poesia.

A quase totalidade daquilo que foi publicado, enquanto vivo, o foi sob vários outros nomes, que não o seu. É verdade que, postumamente, isso acabou sendo corrigido. E outros tantos livros tendem ainda a surgir, já que somente uma parcela ínfima dos papéis que deixou foi analisada e organizada. Também, pudera! Foram deixados 25.426 documentos originais, dos quais 18.816 manuscritos, em letra quase indecifrável. Depois de morto, foram publicados os seguintes livros com seu nome de batismo: "Poesias", "Poesias Inéditas (1930-1935)", "Poesias Inéditas" (1919-1930) e "Quadras ao Gosto Popular".

Pessoa preferia não qualificar de "pseudônimos" (como qualquer um faria), as múltiplas denominações de autoria de que se valia. Em vez disso, definia-as como "heterônimos". E justificava, argumentando que a cada nome utilizado, correspondia um estilo, próprio, único e inconfundível. E não exagerava. Era como se houvesse, de fato, vários indivíduos diferentes, reais, de carne e osso, produzindo os poemas, que na verdade eram só dele, frutos exclusivos do seu talento, da sua versatilidade e da sua inspiração.

Pelo que sei, trata-se de caso único na literatura mundial, principalmente no que se refere à variedade temática e estilística. Quem lê, por exemplo, os textos assinados tanto por Fernando Pessoa, quanto por Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos, se não souber nada a respeito dos heterônimos, jamais será capaz de imaginar que todos, indistintamente, foram escritos por um único e mesmo escritor!

Esse é, obviamente, o aspecto mais mencionado e estudado da sua criação. Os poetas fictícios que criou são entidades completas e complexas. Martin Claret ressalta, a esse propósito, em seu livro "O Pensamento Vivo de Fernando Pessoa": "Não só deu-lhes vida psicológica, mas inventou seus traços físicos, seus pequenos gostos e manias e até fez suas assinaturas". É o cúmulo do preciosismo!

O próprio escritor explicou, em carta a Adolfo Casais Monteiro, a origem desses personagens: "Ricardo Reis nasceu em 1887 (...), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915: nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de outubro de 1890...Este, como se sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inatividade".

Quanto aos traços físicos, Pessoa definiu da seguinte maneira os três poetas que inventou, na supracitada carta: "Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco mais baixo, mais forte, mais seco. Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos --- o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo". E vai por aí afora, criando parentescos, amores, incidentes, trajetórias de vida, enfim, toda uma biografia para cada um deles.

Designou, por exemplo, Caeiro como seu mestre e poeta da natureza. Ricardo Reis, das odes horacianas, é clássico e pagão. Álvaro Campos, por seu turno, é futurista e radical. E ele mesmo, Fernando Pessoa, classifica-se como "lírico, desencantado, nacionalista místico e ocultista". Não foram, convém ressaltar, os únicos heterônimos que inventou. Estes foram dezenas. Mas sob estes três nomes (e mais o seu), compôs uma obra sólida, densa, variada temática e estilisticamente e única em toda a literatura mundial. Coisa de gênio (ou de louco?). Bendita loucura!

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Encantada com seu texto, Pedro. Dá vontade de ler mais Fernando Pessoa. Quando queremos inventar um modo peculiar de falar, caso não tenhamos um modelo, nos vemos perdidos. Imagina escrever versos de forma tão diferenciada? Diria ser coisa de louco e gênio, simultaneamente.

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