domingo, 27 de maio de 2018

Editorial - Fazer rir e fazer chorar


Fazer rir e fazer chorar



O escritor tem o dom de mexer com as emoções, ou seja, de fazer as pessoas rirem e, com mais frequência ainda, chorarem. E qual dessas duas vertentes literárias vocês acham que é mais complexa e exige maior talento, a comédia ou a tragédia? A resposta parece-me óbvia. Basta ver quantos livros há enfocando o lado trágico da vida – estimaria, na base do chute, em até 95% - e, em contrapartida, quantos se debruçam sobre a faceta caricata, ridícula e por isso risível da existência humana. Claro que fazer rir é muito mais complicado do que fazer chorar.

Vocês já tentaram escrever algum texto cômico, mas sem descambar para a apelação, para a escatologia barata, para o escracho de alguém, para a exploração dos defeitos físicos de quem foi punido pela natureza, que provocasse o riso (já nem digo gargalhada) até do sujeito mais sisudo e mal-humorado? Tentem para ver se é fácil. Vocês precisarão ter muito, mas muito mesmo talento e capacidade de comunicação, além de terem que seguir o beabá de qualquer texto literário, ou seja, escrever com absoluta correção semântica e gramatical.

Entre nossos escritores que tinham, ou que têm, talento para fazer os leitores rirem, destaco dois, ambos já falecidos. O primeiro é Sérgio Porto, mais conhecido pelo pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, que completaria 89 anos de idade em 11 de janeiro de 2012, mas que morreu há 50 anos, em 30 de setembro de 1968. O segundo é Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, o queridíssimo Chico Anysio, do qual sempre fui fã incondicional.

Acho estranhíssimo que supostos intelectuais, do alto de sua arrogância, torçam o nariz para os livros desses dois escritores, como se eles fossem coisas de somenos. Tratam-nos como se fizessem “literatura menor”, o que um mínimo de conhecimento, de informação e de bom-senso revelaria que não fizeram. Tanto o saudoso Lalau, quanto esse magnífico talento, que é o Chico Anysio (e não menos saudoso, claro), são escritores de primeiríssima linha. Os livros de ambos, deliciosos de serem lidos, ensejam-me muito mais reflexões, e por consequência, maior aprendizado sobre a vida, do que os dramalhões lacrimosos que lideram as tantas listas dos mais vendidos.


Não entendo a cabeça de quem prefere a tragédia à comédia. Considero tremendos masoquistas os que juntam aos seus sofrimentos reais, não importa o quão intensos sejam, aos fictícios, criados por mentes férteis e observadoras. Não me interpretem mal e não pensem que estou fazendo apologia da alienação. O que recomendo, isso sim, é o “tempero”, pois a vida é assim, “temperada”. Não tem, apenas, violência, ciúme, traições, mortes e dor. Se tivesse... estaríamos roubados!

Tirem um tempinho diário para rir do que é risível. O riso faz muito bem ao físico e ao espírito e, ademais, o homem é o único animal que ri. Daí este exercício saudável e prazeroso constituir-se numa espécie de distintivo humano, de característica exclusiva da espécie. Aprendam a valorizar os escritores que têm esse talento, que sabem criar situações que nos levem à gargalhada, sem debochar das fraquezas de ninguém e nem apelar para recursos escatológicos e primários.

Stanislaw Ponte Preta foi assim. O sujeito precisa ser muito mal-humorado, um verdadeiro pitt-bull, e burro como essa raça de cachorros para, em lendo as peripécias de Tia Zulmira, do primo Altamirando, de Bonifácio o Patriota e de outros de seus tantos personagens, não cair na gargalhada. E Chico Anysio foi assim. Leiam os seus livros (já li 18 deles) e verão que não exagero. Escrevi a respeito desse escritor e quem leu a referida crônica sabe do meu apreço e admiração por ele.

Quanto aos que pensam que literatura é apenas um desfile de violência, de paixões incontroláveis (e não raro inconfessáveis), de ciúmes, vinganças, patifarias, taras etc.etc.etc. e tudo o que há de ruim na natureza humana, aqui vai uma recomendação. Reciclem seus conceitos. Revejam seus valores. Avaliem a vida sob todos os seus aspectos, e não somente os negativos. Pensar negativo o tempo todo é estar entregue a uma forma doentia de alienação, e a mais perversa delas.

Aprenda a rir. Ria das situações engraçadas e até das trágicas. Certamente você já deve ter ouvido falar de tragicomédia. E, sobretudo, valorize os mestres do humor, como foram o saudoso Stanislaw Ponte Preta e este genial Chico Anysio.


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