quarta-feira, 11 de maio de 2016

Maria concebida sem pecado


* Por Mara Narciso


No Centro Cultural Hermes de Paula o porteiro diz boa noite, à esquerda um livro de presenças, em frente, a imagem de Nossa Senhora dentro de um oratório, próximos, dois castiçais com velas acesas, atrás, seus títulos convidam a adentrar o templo, no chão, pétalas de rosas vermelhas, à direita duas pequenas telas retratando Maria, e em frente delas dois genuflexórios pedem oração. A luz difusa e o cheiro de incenso de mirra condizem com um ambiente de introspecção e recolhimento. Então, o salão se abre, tendo a esquerda uma mesa decorada com ramos de trigo, uvas, vinhos, pães e salgados, sobre uma toalha branca bordada e sob ela outra azul que se estende até o chão. No espaço principal estão instaladas as telas da Exposição “Marias Cheias de Graças”, da artista plástica Conceição Melo.

Vestida de jeans e blusa de malha preta, envolta numa meia túnica estilizada, que lembra as usadas no tempo de Cristo, impressa com imagens similares às das suas telas, bela, loira e esfuziante, a dona da festa dá boas-vindas, juntamente com todas as suas Marias. Acudindo ao apelo da arte religiosa, o salão se enche de admiradores e curiosos que se acotovelam. Lá está a Mãe de Deus ostentando as suas mais variadas denominações, falando ao coração, cada uma ao seu modo, cobertas de acordo com as escolhas da artista.

Dona de um traço hábil e firme, Conceição Melo, mãe de três meninas e um menino, desenha e pinta desde criança, mas ainda assim, graduou-se em Artes Plásticas pela Unimontes. Também desta vez demonstra que sua arte permanece em constante evolução e revolução. Os rostos das Marias mostram delicadeza, algumas num olhar de prece, umas santas, outras humanas, cenas tocantes, parte delas com o filho e visível enlevo materno, outras sozinhas, emanando bondade ou mistério. Nas imagens, seus olhos, a beleza e a feminilidade falam, algumas em silêncio, outras mais audíveis, mas nunca ruidosas, pois o conjunto tem em comum um equilíbrio sagrado. Parte delas são meninas, todas amorosas, de semblantes serenos. São quase gente, com pés, mãos, seios, joelhos, mulheres bonitas, singelas, mas com adornos como broches de flores, pingentes de corações, coroas, cetros, terços, auréolas, estrelas, fundos coloridos, texturas e predominância do azul - com o branco, as cores de Maria.

A humanização de Nossa Senhora a coloca pisando na terra, falando junto às mulheres, segredando a maternidade, o sentimento mais feminino. Também revoluciona e até provoca com Nossa Senhora do Silêncio, com um dedo sobre a boca que, sutil, sugere sensualidade. O celestial e o terreno podem se misturar, para quem tenha olhos para fazer a dupla leitura.

A cada criação imagina-se a fonte para a imagem, se alguém, ou outra representação, mas com a fé presente, pois sem ela seria difícil chegar ao resultado final. Aos que acreditam que Nossa Senhora é a Mãe de Deus e que Ela interceda junto ao filho em favor dos que sofrem, vão se emocionar com a capacidade de criar e tantas vezes recriar a mulher nas várias fases de Conceição Melo. Estes levarão uma das obras para o seu acervo pessoal para ter por perto uma porção desta artista que se refaz a cada ciclo, na eterna missão de criar a boa arte, e agora, expondo-a em maio, o mês de Maria.

Não se apresse ao olhar as imagens, pois poderá vê-las ora sagradas, ora profanas, por que as mesmas são intencionalmente duais, um lado espreitando o outro. Nascida em São Francisco e morando em Montes Claros há 21 anos, Conceição Melo alcançou há tempos a maioridade artística, e desta vez definitiva com esta nova exposição. Com o respeito que o tema exige, se permitiu sair do previsível ao inovar suas santas mulheres de outras fases, dando-lhes um traço mais clássico, e com isso, podendo agradar aos devotos de todas ou de nenhuma religião.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



2 comentários:

  1. Eu creio Nela. Queria crer um pouco mais cegamente. Mas creio Nela.

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    1. A minha mãe tinha convicção da força de Maria. Em homenagem a ela, tenho todo o respeito possível. Grata pela leitura e comentário, Marcelo. Muito obrigada!

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