Reportagens inesquecíveis
Uma das ramificações literárias que mais aprecio é a das
chamadas “livros-reportagens”. Ou seja, quando bem escritos, são misto de
jornalismo e de literatura. A lógica indica que esse tipo de obra compete a jornalistas.
Nem sempre, contudo, é o que acontece.
Muitas vezes, pessoas que não exercem e nunca exerceram essa
nobre profissão (desculpem a falta de modéstia) e que nem mesmo são escritoras,
produzem livros-reportagens magníficos. Descobrem, ao longo do processo de
produção, que sabem escrever, e bem.
Claro que quando escritos por jornalistas tendem a ser
tecnicamente mais perfeitos. Melhores se tornam ainda se o autor, além de
jornalista, for também escritor. É o caso, por exemplo, de “Soledad no Recife”,
de Urariano Mota. Mas há livros-reportagens escritos por quem não domina
nenhuma das duas técnicas (a jornalística e a literária) e que, ainda assim,
caem no gosto do público e se tornam best-sellers.
Um desses casos é “2455 – Cela da Morte”, de Caryl Chessman,
que entre o final dos anos 50 e início dos 60 do século passado, vendeu milhões
de exemplares, mundo afora, e foi, inclusive, estrondoso sucesso de vendas no
Brasil. Os leitores da minha faixa etária certamente se lembram disso. Para os
que não lembram, faço um breve resumo do caso.
Caryl Chessman foi preso em 23 de janeiro de 1948, acusado
de ser o então já famoso “Bandido da Luz Vermelha”. Atribuíram-lhe uma série
muito grande de roubos e estupros, em ataques a casais de namorados, nas
colinas que rodeiam Hollywood, em Los Angeles, na Califórnia. A polícia
procurava há muito tempo o autor desses delitos. Chessman teve a infelicidade
de satisfazer à descrição do marginal feita por várias vítimas.
O apelido “Bandido da Luz Vermelha” devia-se ao fato de, quando
o assaltante abordava suas vítimas, utilizar-se de uma lanterna com luz
vermelha, com a qual cegava suas vítimas
antes dos ataques.
Chessman foi julgado e condenado à morte por um Tribunal do
Júri, em que, dos doze jurados, onze eram mulheres. Durante todo o julgamento,
e nos anos posteriores, negou a autoria dos crimes que lhe foram atribuídos. E
permaneceu negando até o dia da sua execução, ocorrida doze anos e quase cinco
meses após ser preso, em 2 de maio de 1960, na câmara de gás. Nunca admitiu
haver cometido aqueles delitos.
Caryl Chessman foi recolhido à cela de n° 2455, no chamado
“corredor da morte”, da Penitenciária de San Quentin, ala restrita aos
condenados à espera da execução. Nesse setor, raramente algum prisioneiro
permanecia por mais de uma semana. Chessman, todavia, permaneceu por mais de
doze anos.
Nesse período, iniciou uma desesperada batalha para provar
inocência e, assim, salvar seu pescoço. Ali, estudou Direito e assumiu a
própria defesa. Interpôs dezenas de recursos e petições a tribunais da
Califórnia e à Suprema Corte dos EUA.
Conseguiu adiar por sete vezes sua execução, sendo que, em
pelo menos quatro, o adiamento ocorreu minutos antes de ser encaminhado à
câmara de gás. O livro “2455 – Cela da Morte” narra, tim-tim-por tim-tim, todo
o caso. Chessman revelou-se um escritor de talento, com um estilo de fazer
inveja a muito escritor profissional. Tanto que, além desse livro-reportagem,
escreveu outros três, que, no entanto, não tiveram o mesmo sucesso, deste que
se tornou best-seller mundial, mas que venderam bem acima da média.
Prometo trazer, oportunamente, à baila outros casos famosos,
que geraram grandes livros-reportagens. A maioria foi escrita por jornalistas
de inegável talento, mas vários outros foram produzidos por absolutos leigos,
quer em jornalismo, quer em literatura, como foi o caso de Caryl Chessman.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Despertou imediata curiosidade. Assim como a paixão dá talento aos enamorados, o terror também deve ter o mesmo efeito, ou pelo menos teve, nesse caso citado.
ResponderExcluirCaro amigo Pedro Bondaczuk, muito obrigado pela referência a "Soledad no Recife".
ResponderExcluirOlhe só a coincidência: o livro de Caryl Chessman serviu para um júri simulado em minha adolescência, no antigo quarto ano ginasial. Eu e o amigo José Antonio Spinelli, hoje ilustre cientista politico em Natal, fomos os advogados de defesa. Contra nós estava outro amigo, Walter Rocha, do primeiro ano científico, hoje professor de Química na Mackenzie. Eu e Spinelli conseguimos absolver Caryl Chessman. Abração.