Os nomes de ninguém
* Por
Marcelo Sguassábia
- Senhores vereadores,
prosseguindo com a pauta da nossa sessão ordinária, vamos ao próximo item:
discussão sobre os critérios da municipalidade para dar nome aos novos
logradouros públicos. Com a palavra, o vereador Feitosa.
- O assunto é
polêmico, senhores, e exige reflexão profunda...
- Precisamos rever os
processos e encaminhamentos dessa questão pela Câmara. Tem vereador que passa o
mandato inteiro só cuidando disso. E, mesmo fazendo tudo pelos mortos e nada
pelos vivos, acaba garantindo sucessivas reeleições. Todos sabemos como a coisa
funciona, inclusive temos três vereadores peritos na prática aqui mesmo, nessa
sessão: acordar bem cedo, saber quem morreu, ir ao velório, chorar o finado e
prometer à família um nome de rua para legar sua memória à posteridade. É claro
que a parentalha toda vai votar nele no próximo pleito. E alguns desses nobres
colegas são tão profissionais que só escolhem defunto de família grande, que
rende mais votos. Os que têm poucos parentes eles deixam para a vereança iniciante.
- Um aparte! Nosso
partido defende a bandeira da renovação, o que inclui os nomes de rua! A cidade
foi fundada em 1686, e ninguém mais sabe quem são as pessoas que dão nome às
nossas principais artérias. Só para citar alguns exemplos: Rua Dona Quitéria
Bontempo, Avenida Sebastião Albino dos Sanches Pedreira, Praça Cônego
Aristenes... É hora de substituir esses hoje desconhecidos por mortos mais
frescos, que tenham relevância na sociedade atual. Ou pelo menos nos últimos
100 anos.
- Mas os descendentes dos
ilustres mais antigos podem entrar na justiça, alegando direitos adquiridos.
Afinal, alguma coisa de importante fizeram para merecerem nome de rua lá no
tempo do onça. Imagine Vossa Excelência a pendenga jurídica.
- Podemos substituir
os nomes de ruas por números, para acabar com a discussão. Rua 1,2,3,4 e assim
por diante. A vantagem é que a pessoa que está procurando um endereço já se
orienta, pois sabe em qual zona da cidade fica determinada numeração. É um
serviço que prestamos ao munícipe.
- Protesto! O que a
gente ganha com isso?
- Concordo com o
Vereador Josevaldo. É prático mas impessoal demais, é frio e não rende voto.
Rua tem que ter nome de gente. E, mesmo com toda essa crise imobiliária, o que
não falta é loteamento novo com um monte de "praça" esperando
batismo.
- De fato, corre o
risco de faltar finado para tanto logradouro. Mas devo alertar que os nobres
legisladores se esquecem das ruas que têm datas como nomes. Quinze de novembro,
sete de setembro, treze de maio. Poderíamos escolher algumas datas
significativas para o município. O dia do início de um mandato, da inauguração
de uma ponte, do aniversário do nosso digníssimo prefeito...
- Não, não, a imprensa
vai cair em cima, pode mobilizar a opinião pública, vão alegar demagogia e autopromoção...
- E assim, o que
acham: Rua desemprego zero, Rua segurança garantida, Rua educação para todos,
Rua saúde e saneamento básico, Rua respeito ao dinheiro público. Imaginem
Vossas Excelências! Em cada inauguração de rua, um tema para comício. E uma
forma disfarçada de propaganda política para todos nós desta casa. Imaginem só,
a rádio transmitindo o discurso: "Declaro inaugurada a Moralidade na
Municipalidade", eita como soa bem isso!
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Gostei da ideia. Espero que pegue.
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