Sem
vaias
* Por Daniel
Santos
Magnífica – ela mesma dizia de si. E
ninguém discordava, porque, dia após dia, noite após noite, infatigavelmente,
impunha seu pessoal espetáculo, aplaudido em cena aberta por amigos e
familiares, seduzidos.
No centro do palco, imersa em luzes do
esplendor, ela dominava toda a circunstância. Muito habilidosa, representava e
investigava a reação de cada espectador, a um só tempo. Tinha de fasciná-los,
sem cessar.
Sim, ela controlava a própria adoração,
mas, com o tempo, descuidou do repertório, esqueceu de renová-lo. Tornou-se,
assim, previsível, sem surpresas nem emoção, e os aplausos diminuíram.
Perceberam que interpretava com técnica
pífia, cheia de chavões e de clichês. Já não era propriamente espetáculo, mas a
exposição constrangedora de alguém que o talento abandonara: uma caricata.
Perdeu platéia, portanto. A maioria dos
assentos sem ninguém, ela se aproximou da beira do palco para se certificar da
solidão, da ruína. Caiu no fosso da orquestra para nunca mais reaparecer. Nem
vaias houve.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Uma sequência dura de socos até a queda final. Na verdade uma história escrita com a precisão de um bisturi.
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