Revivendo Blumenau
* Por
Urda Alice Klueger
(Para Eduardo Venera
dos Santos Filho)
Hoje, de novo, saí em
busca do passado. Subi a pequena encosta que leva à Igreja Luterana segurando
na mão o coração tremeluzente de densa saudade. Estivera lá em cima diversas
vezes nas últimas décadas – afinal, sempre alguém se casa, ou morre, ou se
batiza, e há os túmulos dos antepassados – mas sempre subi com os olhos e o
coração fechados para a emoção, sempre passei de raspão, sem querer olhar, sem
querer lembrar – mas hoje fui lá especialmente para ver.
Fiz os cálculos: mais
ou menos aqui se estacionava o carro. Ali embaixo era pasto, e quando chovia
muito, ficava tudo inundado, e depois vinha o sol e naquela água parada se
refletia o azul do céu e as nuvens vogando livres... E veio a lembrança da
liberdade ali, lugar onde ninguém passava em dia de trabalho, abrigo certo e
perfeito para quem estava tão, mas tão, mas tão apaixonado quanto nós. Era como
se a ternura e o carinho não tivessem ido embora e pairassem por ali, em
girândolas coloridas, e até agora, tarde da noite, ainda estou em dúvida se as
girândolas estavam ou se foi só produto da minha imaginação.
Desviando um pouquinho
o olhar, tinha sido o campo de futebol, Palmeiras Esporte Clube, e entre uma
coisa e outra, a rua estreita e tortuosa, a única que havia então. Tudo mudou;
a rua se multiplicou em diversas pistas lotadas de carros em movimento, e já
não há campo de futebol nem nada é mais como foi: a paisagem está suja de uma
imensidade de prédios e prediozinhos, um deles de vidros tão espelhados que
parece que nem existe, e a gente só o descobre porque espelha aquela paisagem
borrada que parece ter nascido do sonho de um pintor louco.
Tudo mudou mesmo: coisas como grandes supermercados enchem a base do
morro, e a encosta, que tivera elegante fileira de azaleias que juntos vimos
florir por toda uma primavera, agora está coalhada por aqueles arbustos e
outras coisas, como moitas de taquaras.
Mais uma vez olhei
para as árvores: qual delas estivera ali naquela época, qual nascera depois,
haveria testemunhas dos tempos que amor tão grande ali vinha se abrigar à
sombra da igreja? Uma placa indicou-me duas palmeiras que ali estavam desde o
século XIX – portanto, havia testemunhos vivos daqueles tempos tão maravilhosos
que até parece que foram só de sonho... Indagava-me que outras plantas de então
estariam ainda vivas, e então apareceu o zelador do local e conversei com ele,
que sabia com exatidão que aquela árvore tinha 27 anos e coisas assim – pude
tirar uma medida de quem ali estivera naquele tempo do nosso tempo e, enquanto
conversava com o zelador, cumprimentava silenciosamente as velhas testemunhas
daqueles momentos que pensava que estavam perdidos lá no passado.
Foi então... Como
então, o sino das seis da tarde começou a tocar, o mesmo sino lá das lonjuras
do tempo, aquele sino que anunciava seu carro subindo outro morro para me
buscar no serviço, aquele sino que ouvíamos ali... Eu mal podia crer que aquele
sino ainda existia e continuava tocando, e cada badalada dele batia na minha
alma como uma flecha, e de novo era primavera, as azaleias estavam floridas e
você usava aquela camisa de tergal branco e eu podia me abrigar, de novo, junto
ao seu peito, e sentir seu aroma bom de limpeza e de Pinho Campos do Jordão, do
qual guardo um frasco faz mais de quarenta anos... Então, chorei, mesmo que o
zelador achasse estranho. O amor é assim... Não há como explicar...
Blumenau, 10 de
janeiro de 2014
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e quatro livros (o 24º
lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições)
e “No tempo das tangerinas” (12 edições).
Essas saudades são transmissíveis pelos olhos. Basta ler que elas pegam em todo mundo, dando apertos no coração.
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