Estação intermediária
A felicidade – assim como o amor, a
esperança, a saudade, a liberdade etc.etc.etc. – é tema recorrente e
batidíssimo em literatura e, no entanto, inesgotável. Escritores abordam-no,
amiúde, sob os mais variados aspectos, em poemas, romances, contos, novelas e
peças teatrais, mas, via de regra, enfocam-no pelo viés oposto. Ou seja, o da
infelicidade.
Há (convenhamos) muitíssimo mais
pessoas infelizes mundo afora do que as felizes. E essas compõem personagens
muito mais interessantes (pelo menos para os que os criam) do que as que têm
vidas mansas e tranquilas.
Volta e meia, são apresentadas, por
especialistas em auto-ajuda, “fórmulas” mágicas de felicidade. Para uns, elas
funcionam. Para outros tantos... não. Trata-se de condição subjetiva e só nós
podemos encontrar (ou não) o seu caminho no fundo da nossa mente.
Ressaltei, inúmeras vezes, em minhas
crônicas, que a felicidade não é uma coisa concreta, como uma mesa, uma
cadeira, um carro, um computador, ou seja, algo palpável, uma espécie de “Santo
Graal”. É, sim, predisposição íntima, que nos faz apreciar o lado positivo e
nobre da vida e não dar tanta importância às tragédias e horrores que nela
acontecem, mesmo que sejamos os protagonistas.
Em suma: é feliz quem se sente assim,
não importa por qual razão, independente, portanto, de fortuna, prestígio ou
condição social, embora esses contribuam (não sejamos cínicos) para ela. Um
sujeito sem eira e nem beira, que não tenha onde morar e sequer o que comer,
não tem porque se contentar com a vida que tem, a menos que seja renitente
masoquista.
Quando alguma pessoa diz o surrado
clichê de que “o dinheiro não traz felicidade”, invariavelmente surge alguém
para replicar: “manda trazer”. Claro que a fortuna, em si, sem outros tantos
ingredientes que a devem acompanhar, não faz ninguém feliz. Todavia, a carência
de meios para se sustentar produz, sempre, o efeito inverso: torna o carente
invariavelmente infeliz.
A riqueza em excesso, todavia, desde
que quem a possui não a saiba usufruir adequadamente, tende, também, a gerar
infelicidade. De outro tipo diferente da do miserável, claro. Os detentores de
imensas fortunas são os clientes preferenciais dos consultórios de psiquiatria.
As maiores taxas de suicídio do Planeta são as dos países ricos, do chamado
“Primeiro Mundo”, em que a prosperidade é a tônica e a carência rara exceção.
Os suicidas (reais ou potenciais) não
são etíopes famintos, ou afegãos miseráveis ou refugiados africanos ou
asiáticos que não têm sequer uma pátria, quanto mais casa, família, emprego
etc. São os nababos suecos, alemães, japoneses ou norte-americanos. Será que
alguém tem condições de explicar, objetivamente, por que?
O sujeito milionário (ou bilionário,
que seja) é (salvo exceções) permanente desconfiado. Em sua cabeça, todos
querem se apropriar (de uma forma ou de outra) de sua fortuna (que, ademais,
não levará para o túmulo quando morrer, mas ele sequer pensa nisso).
E quando alguém jura que o ama, mesmo
que lhe dê provas concretas desse sentimento, não acredita. Principalmente se
quem fez tal juramento tem menos riquezas do que ele. Não crê em amores, em
afetos desinteressados e muito menos em amizades. Vive
cercado de um batalhão de empregados e de guarda-costas e paga caro pelo
simples prazer do sexo, que julga objeto de compra e venda, como outra
“mercadoria” qualquer.
Acredita, isso sim (e com sinceridade)
que o suposto interesse afetivo que alguém lhe devote tenha sempre alguma
segunda intenção (às vezes não tem). E que o propalado “amor” que lhe venha a
ser eventualmente declarado não passe de mera tentativa de aplicação do famoso
golpe do baú. Como uma pessoa assim pode ser feliz?! Não pode!
Li, recentemente, em uma das peças do
norueguês Henrik Ibsen (não tenho certeza se foi na “Casa de Bonecas” ou em
outra qualquer), a declaração de um dos personagens que vem a calhar nestas
considerações. Diz: .“A felicidade é uma estação intermediária entre a carência
e o excesso”.
Claro que as coisas não são assim tão
simples, ainda mais em se tratando de um sentimento tão vago e subjetivo. Isso
não quer dizer que quem nem beire a carência e nem tenha fortuna mirabolante
seja, automática e liminarmente, feliz. Nem infeliz. Longe disso. Há muitas e
muitas e muitas outras pessoas, coisas e circunstâncias envolvidas nessa
questão da felicidade. Mas que a constatação faz sentido, ah, isso, sem dúvida,
faz!
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A definição apresentada para felicidade parece contraditória, assim como a de Economia que é a ciência da escassez.
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