segunda-feira, 8 de junho de 2015

Viagem

* Por Emanuel Medeiros Vieira


(Para Célia – que foi comigo)


No túmulo de Kafka, em Praga, eu pedi: “Orai, por nós”! Foi súplica, imprecação. Antes, agora. Sempre.

No cemitério “Père Lachaise”, em Paris, escrevi no (túmulo) de Proust: “Merci, Marcel”. (Não, não fui apenas a cemitérios). E bati perna por Paris, fique contemplando o movimento nas escadeiras da “Opera”.

Ir e vir de gentes. (No metrô – contemplando a mocinha com boina e meias  grandes – ela lia, não mexia  em celular – pensei: não verei nunca mais esse rosto, nem os outros,  pessoas que vão e que vêm).

Andar – e andar mais ainda – é um dos prazeres maiores que sinto em Paris. (Mas em relação às viagens da década de 70 – na época, com escasso dinheiro e fugindo da ditadura brasileira –, havia agora turista demais – chineses, japoneses, brasileiros etc., todo mundo querendo comprar e não VER. Os  lugares cheios de gente).

Registrar: não ver. O viajante vê – o turista registra. E fugia dos locais mais turísticos – por exemplo, andando e andando pela beira do Sena.

Não, desta vez nada do Louvre, Palácio de Versalhes (só andei pela cidade e pelo seu mercado).

No Portão de Brandemburgo, em Berlim, “ouvia” o som de paradas – vi pedaços do Muro. E revi, numa longa e iluminada conversa, o meu velho amigo Flávio Aguiar.

E lembrei que – num inverno europeu há tantos anos (1971) –, eu o atravessara, e passara um dia em Berlim Oriental, com o meu saudoso amigo Alberto Albuquerque e, à noite, Luiz Travassos nos esperava  para tomar um vinho.

Lembrança de tanto sangue derramado: mas havia também Beethoven e Goethe. Violência e beleza.

Um concerto: era Mozart em Viena. Em Bruges, senti mais beleza. Era uma cidade revisitada. (Na primeira vez, década de 70, senti as pessoas menos estressadas e mais simpáticas, como aconteceu em Madri e Roma – no geral, elas – em alguns países – estavam mais irritadas e antipáticas.)

Tantos outros lugares não citados: como Santiago de Compostela. O que dizer? Já disseram tanto. Restam-me qualificativos que são lugares-comuns: linda, impactante. Mais que isso: cheia de uma energia que não sei definir.

E revistei o Porto – cidade que muito amei, e fiquei na casa de um querido casal amigo, revendo a querida Manaíra, conhecendo o André – ambos tão sensíveis e cultos, além de dialogar de novo com o combativo e humanista Carlos Mota.

Como Lisboa – conhecendo o cotidiano da cidade, as pessoas, a vida real -, parando no apartamento alugado pelo querido Fábio, sobrinho sensível, preparado, tão amigo e generoso que lá estudava. Ele já está de volta a Porto Alegre.

Queria “segurar” a vida. Um instante. Uma eternidade. O rio que flui. Driblamos a morte, “esquecendo” que – sem prorrogação, sem recursos, sem embargos – ela, inelutavelmente, nos alcançará na soleira da morte. (Eu sei: só capto fragmentos, andando às pressas, numa narrativa quebrada – sempre em busca intensa de uma verdade humana. Consigo captar algo, não a totalidade. É da humana lida).

Viajamos para o esquecimento. Mas “precisamos” viajar. Em Dresden, sentei num banco à beira do rio –, e parecia inacreditável que a bela cidade barroca alemã tivesse sido completamente destruída na Segunda Guerra.

É preciso escutar um fado, e contemplo o Tejo. Ah, Lisboa revisitada de Pessoa! Viajamos para encontrar o que já sabemos?

Chovia muito em Veneza, e fazia frio. Em Londres, caminhei por parques. E “enxergar”, ir além é fundamental (navegar é preciso) –: ver (e aprender) é sempre necessário. Se você está sempre preocupado em ensinar, nunca vai aprender.

–Na Picadilyy Circus (junção de estrada e de espaço público da Londres’s West na cidade de Westminster), num sábado à noite (acho que nunca vi tanta gente junta e de tantas nacionalidades),  um casal indagou-me se sabia o endereço de certa rua.

Em Amsterdã andei por canais, contemplando tantas pessoas andando de bicicleta, e (re) visitei o Museu Van Gogh. Em Pompéia, pensei novamente na História (será ele sempre um pesadelo?), na vida e em todos os impérios que sempre passarão – apesar de considerarem-se eternos.

Onde estou? No quintal da minha casa? Atravesso mares para descobrir o que um menino, lá atrás, já sabia – encanto, finitude, sangue, esperança. A vida como um breve sopro que precisa ser vivido, a cada dia, sempre. Até.

(Brasília, novembro de 2014, e Salvador, maio e junho de 2015)

* Romancista, contista, novelista e poeta catarinense, residente em Brasília, autor de livros como “Olhos azuis – ao sul do efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo nos domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava simpósios”, entre outros. 




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