Eu,
o estranho e o relógio
* Por Tito
Moreira
Minha mãe sempre orientava de que não
precisávamos sair à cata do amor. Nós deveríamos ter paciência. Um dia, o amor
nos encontrava. Eu, criança curiosa, sempre à escuta, achava que o conselho
também era pra mim. Sempre olhava o relógio contando o tempo. Bem mais tarde,
numa manhã de um sábado ensolarado, o amor bateu em minha porta, por engano.
Não era nada daquilo que eu idealizara. Veio de longe, de além-mar, de outro
fuso horário.
Mesmo assim, de imediato, eu o
reconheci. Mas acho que ele não. Talvez por ser de outro continente, havia
diferenças nos códigos de reconhecimento. Ou não! Não sei bem. Com outra
cultura e visão das coisas, apesar das tantas diferenças, houve empatia. Ou
assim pensamos.
Entre adaptação de uma língua pra
outra, a comunicação se fez satisfatória. Saíamos e nos divertíamos à vera.
Ríamos dos desencontros lingüísticos. Ríamos pra preencher as carências.
Numa noite, num bar, assistindo a
performance de artistas no palco, assim, sem mais nem menos, nossas mãos se
encontraram e, assim, permaneceram por longo tempo. Sem palavras. Era um
momento anunciado. Andamos pelas ruas com a cumplicidade da madrugada a nos
envolver. De repente nossos ombros se tocavam; começávamos frases no mesmo instante:
“Fala você.” “Não, você primeiro”. Ríamos. E começávamos outra frase juntos e
tudo se repetia. Nos despedimos na porta do hotel. Sem beijo, sem nada. Simples
aperto de mãos. Mas havia desejo no ar. Os olhos como a pedir: não me deixe.
Os dias passaram. Nosso desejo
aumentava. Mas parecia que se ele se consumasse, quebraria a magia daquele
momento. E nos mostraria uma outra verdade nos ponteiros do relógio.
Já confiantes um no outro, mudou-se
para meu apartamento, numa tarde quente, de um dia qualquer, de um mês
qualquer.
“Quer um banho”? “E você”? “Vai na
frente”... “Tudo bem”. A esperada cordialidade entre estranhos. Tateando,
buscando, reconhecendo território.
As cortinas do quarto já fechadas,
evitavam o olhar curioso do sol. Todo um clima conspirando a favor, ou não. As
pernas tremem... Coração dispara...
Mãos se tocam. Olhos se fitam. Corpo
treme. Bocas próximas, sente-se o hálito. Toalhas ao chão. O único som era a
batida dos corações. ... Do meu. Do seu. Dos dois. E o tic-tac do relógio cadenciado.
Tudo muito terno, calmo. Momentos de
descobrimento, de orientação. Instante único que nunca mais se repete. Assim...
sem razão.
E o mundo se torna mágico. Os dias
coloridos, mesmo quando nublados. Felizes. Plenos. Protagonista do meu enredo. E
dirijo os atos. A cena. A locação.
Passam-se os dias, as semanas, as
horas... Na mesma proporção, a magia vai-se indo, sem percebermos, nos deixando
fingir. Nunca olhamos o relógio. O costume se fixa como escamas de peixe.
Insiste no contra.
As diferenças que antes atraíam, agora
conflitam. A carência não foi preenchida.
Um dia, o adeus. O outro lado não
aceita, não entende, não quer. Mas se entendem e reinventam uma nova maneira de
convivência. Não querem se deixar, mesmo cientes da possibilidade. Fogem, há
uma dor maior a ser evitada. Combinamos amizade.
Surge o ciúme em doses homeopáticas.
Primeiro, um atraso. Depois, horas inteiras. O ciúme aumenta. Destroçando
flores, o bom das coisas, o colorido. O enredo se perde. Não se acha o início
ou meio. Deixou-perder.
Alguém parte. Alguém fica. Alguém
chora. E o tic-tac do relógio ensurdecedor...
* Jornalista
* Jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário