Devaneios de uma roqueira 4
* Por
Fernando Yanmar Narciso
CAPÍTULO 2 (PARTE 1/3)
-Muito bem, molecada!
Vamos às Bachianas?
Nem acredito que meu
cérebro conseguiu formular essa frase! Ou que ainda me lembrava de como entoar
Villa-Lobos com tanta coisa chacoalhando em minha mente. Me entupiram de gole e
de uma droga que é melhor eu nem saber qual foi, aproveitaram-se de minha fragilidade
momentânea pra me tatuar e afanar meu dinheiro, provavelmente abusaram de meu
corpo em coma alcoólico por horas e depois me largaram pelada lá no posto.
Tenho que reconhecer,
I’m hard as nails! Tive rastejar por um tempão debaixo do inesperado sol quente
com o estojo de violão me ralando as costas ardidas. Sorte que faz muito tempo
que não corto o beloso, assim foi relativamente fácil esconder esse monstrengo
no trabalho... Um motorista de van me achou quase desmaiando no asfalto e
terminou de me levar até a cidade.
São Modesto, nosso
estimado viveiro de urubus...Dois quilômetros de uma ladeira que parece nunca
acabar, prédios e casebres tão antigos que dá pra atravessar as paredes com um
lápis, um doce perfume de estrume de cavalo e abandono que dá pra sentir lá do
posto e uns 5000 habitantes que não fazem ideia de por que vieram nascer justo
aqui!
- Pode encostar ali na
obra da prefeitura, moço. - Disse ao perueiro com os olhos injetados e a tattoo
me ralando o couro das costas contra o banco. Acho que vou dormir de bruços o
resto do ano! Não me levem a mal, não tenho problema algum com tattoos, desde
que eu esteja sóbria o bastante pra pagar por elas!
Tenho um morcego no
braço direito, uma letra N de Nirvana no tríceps esquerdo e uma roseira com
caveiras na coxa esquerda. Por essas eu paguei com gana e gosto. Vai saber o
que me passou pela cabeça na farra de sábado? Posso ter dito pro bandido
something like ‘Tá bom, pode me agulhar, mas faz pelo menos uma coisinha
discreta!’, mas artista não se aguenta de vontade de mostrar a que veio, né?
- Tá entregue, moça.
- Brigada, moço. Aqui
tem um, dois, três...
- Pode deixar, anjo-
Ele recusa minha oferta- Mulher nenhuma gasta dinheiro comigo por
perto,especialmente quando esbanja saúde, assim que nem ‘ocê’!
Babaca...
E lá estava o casarão
decadente do conservatório, e como não podia deixar de ser, meu ex, Ulysses,
estava lá na porta também, com aquela jamanta antiga dele. Mas o carro agora
era lilás. Weird, podia jurar que semana passada era em degradê verde e roxo...
Eu vivia reclamando que cada trocado que Uli ganha acaba virando um adorno novo
praquela lata velha.
Ele e o já folclórico
o golpe da garrafa de vinho, partindo pra cima de outro otário. Desde que a
gente se conheceu ele tenta passar adiante esse ‘Brunello raríssimo, de 150
anos’. Pra não perder o costume, o ‘quase freguês’ lhe estalou um bofetão na
cara e foi embora, praguejando. Se Kurt Cobain lá no inferno fosse clemente,
ele não permitiria que Ulysses me visse...
- Lexi, Lexi, Lexi!- E
lá veio ele. Kurt, seu traidor!- Quais são as novas, Vermelha?
- Faltava mais nada...
Com tudo que já me aconteceu, e a última pessoa que eu precisava ver vem se
engraçar pra cima de mim...
- Ih, que é isso,
mina? Isso lá é jeito de falar comigo, seu ex? Vamo discutir o assunto ‘mió’,
Lexi...
Já veio tentando me
passar o braço por trás da nuca feito um bebum carente no fim da madrugada. Não
sei se era a fumaça do cachimbo dele ou aqueles dreads enormes e imundos, mas o
cheiro que ele exalava era tão forte que é como se eu tivesse mergulhado de
barriga numa caçamba cheia de erva.
- Papo reto, Ulysses-
Recuperei a pose de lady, antes que o charme rastafári e o sorriso irresistível
dele acabassem por me sequestrar outra vez.- Tive um FDS horrível, fui roubada,
mutilada, mal tô me ‘guentando em pé, faltam só cinco minutos pra eu começar a
aula e a última coisa que eu preciso hoje é de cheiro de baseado me impregnando
a roupa antes de trabalhar. Então, VAZA!
Bati com o calcanhar
do tamanco no chão com tanta força que Ulisses quase subiu no poste num pulo de
gato. Não gosto de tratar ninguém assim, mas hoje simplesmente não dava pra ser
de outro jeito.
(CONTINUA...)
*
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Conheçam
meu livro! http://www.facebook.com/umdiacomooutroqualquer
Gostei da "pose de Lady". As loucuras da roqueira surpreendem.
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