A maldição de Midas
* Por Pedro J. Bondaczuk
Os apólogos, fábulas e parábolas são
formas didáticas (e poéticas) que os grandes mestres do passado desenvolveram
para transmitir lições de comportamento e de vida, sobretudo às pessoas
incultas e com dificuldades de entendimento. Alguns são tão antigos, que se
torna impossível determinar seus autores. Atravessaram séculos, milênios até,
transmitidos que foram oralmente, geração após geração.
Uma dessas histórias exemplares é a que
trata da maldição de Midas, aquele rei que transformava em ouro tudo o que
tocava. Ela foi lembrada, dia desses, por um leitor, que me enviou e-mail a
propósito da minha crônica “Self-made man”, em que faço algumas considerações
sobre os detentores de grandes fortunas.
Para quem não conhece essa lenda (ou
mito, ou apólogo, ou fábula, ou parábola, sei lá como caracterizar essa
narrativa), recomendo a leitura do livro “A Grécia. Mitos e lendas”, de Alain
Quesnel (com tradução de Ana Maria Machado), da Editora Ática. Mas não vou
frustrá-lo, caro e paciente leitor. Para sua comodidade, resumo, abaixo (embora
de forma um tanto canhestra), quer para
o seu conhecimento, quer para sua lembrança, a referida história.
Em Bromionte, na Macedônia, norte da
Grécia, vivia um rei muito ganancioso e, sobretudo avaro, chamado Midas. Seu
grande sonho na vida era possuir toda a riqueza do mundo, mesmo que não
usufruísse dela. Sua cobiça era enorme, imensa, desmedida, sem limites. Em
certo dia, passeando pelos suntuosos jardins do seu palácio, deu de cara com o
fauno Sileno, escondido atrás de um arbusto, que se havia extraviado da morada
de Dionísio.
Querendo fazer uma gentileza ao deus da
alegria e do prazer, conduziu o trânsfuga à sua presença. A seu favor, deve-se
dizer que Midas não pensou, nesse momento, em nenhuma recompensa pelo seu
gesto. A iniciativa de premiar o monarca partiu de Dionísio, que estava grato
por sua atitude, já que tinha grande consideração por Sileno. Para premiá-lo, o
deus concedeu-lhe o atendimento de um, um único desejo, qualquer que fosse. E o
rei não titubeou. Indagado sobre o que queria, pediu: “Quero que tudo aquilo
que eu tocar, se transforme em ouro!”. “Concedido”– respondeu-lhe Dionísio,
embora ciente da insensatez de Midas.
E assim foi. O rei voltou ao seu
palácio radiante. Tocou no trinco da porta, e este, imediatamente, se
transformou em ouro. Segurou seu cetro real, e o fato se repetiu. Para se
divertir, começou a tocar tudo o que havia ao seu redor. E tudo ficava, num
piscar de olhos, reluzente e dourado. Midas não cabia em si de contentamento.
Não tardou, porém, em perceber as
inconveniências desse dom. Foi quando precisou realizar algumas tarefas básicas
da vida, como comer, beber etc. Ao tocar um pedaço de pão, por exemplo, este
imediatamente se transformou num rígido pedaço do precioso metal. O mesmo
aconteceu com o copo de vinho. O rei começou a se apavorar. Mas o auge do seu
desespero se verificou ao tentar acariciar sua filha caçula, uma bela criança
de nove anos de idade, a quem tanto amava. Ao seu simples toque no rosto da
princesinha, incontinenti, esta se transformou numa estátua de ouro.
Fora de si, Midas correu para a morada
de Dionísio, que, às gargalhadas se divertia com as desventuras do rei, que,
aos prantos, implorou que o deus desfizesse o encanto, que na verdade era
maldição. Depois de rir muito da situação, este resolveu atender aos rogos
aflitos do monarca. Recomendou-lhe que tomasse banho na nascente do Páctolo,
próximo ao Monte Tmolo, para voltar à condição normal. Desde então, as águas
desse rio carregam uma porção de pepitas de ouro, para alegria dos cobiçosos e
dos avarentos.
Há pessoas que parecem ter esse mesmo
encanto de Midas, mas ao contrário deste, não admitem se tratar de grande
maldição. Tudo o que tocam parece virar ouro, que juntam, juntam e juntam, sem
saber o que fazer com ele. Não sabem usufruir a fortuna que têm. Desconhecem
que os verdadeiros bens da vida são imateriais. Esses insensatos, cuja ambição
desmedida se concentra exclusivamente na fortuna, nunca têm certeza, por
exemplo, de serem, de fato, amados. Não sabem se o “amor” que lhe juram devotar
é genuíno ou se é mero fruto de interesses. O mesmo vale para as amizades, na
verdade quase todas interesseiras mesmo.
Ressalte-se que nem todos os
milionários são dotados da extrema insensibilidade de Midas. Há (posto que
raros) os que fazem da sua fortuna fontes de amparo a artistas, a desportistas,
a instituições voltadas ao socorro social (que fundam e mantêm) e a tantas
outras obras de benemerência. Os que não agem assim, convivem com o intenso
desespero do insensato rei da fábula. Mas, ao contrário deste, não têm como
desfazer o encanto que, na verdade, é maldição.
Como se vê, tudo no mundo é relativo...
* Jornalista, radialista e escritor.
Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981
e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras
funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros
de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso”
(crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia
Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74
e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense
de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Não acho que existe a maneira "correta" de se utilizar de uma fortuna de bilhões de dólares.
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