Os
aquários
* Por Silvio
Lancellotti
Adorava peixes. Não, necessariamente,
para comê-los. Mas, para vê-los crescer, e para vê-los nadar, num caixotezinho
de vidro, entre pedras e plantas, sob a luz de uma lampadinha carinhosa.
Começou a criar os óbvios, os japoneses e os espadas, supostamente resistentes
às mudanças de ambiente de temperatura. Frustrou-se. Em poucos dias, os seus
filhotes feneciam.
Determinado, decidiu se aprimorar.
Depressa descobriu que precisaria de um filtro de detritos, de um termostato,
de um oxigenador, de mais uma série de equipamentos que onerariam o seu
orçamento de tolices. No entanto, ainda assim, seguiu adiante. Gastou o que
podia e o que não desejava. Bingo! Funcionou. Os seus peixes medraram, viçosos,
multicoloridos. Gostou tanto do resultado visual, e espiritual, que
paulatinamente se tornou um especialista. Em meses, encheu a sua
sala-de-visitas de aquários. Uma dúzia de cenários diferentes. Cada
caixotezinho de vidro com um gênero, uma família fiel.
Passou a desenvolver lebistes,
peixes-de-briga tailandeses, sumatranos, africanos, caribenhos. A sua sala se
transformou num museu aquático. Então, um comerciante lhe ofereceu dois
peixes-jóia, supostamente um casal. Jóia pela maravilha do desenho das suas
escamas, que mudavam de tonalidade no correr do dia e de acordo com os humores
dos seus portadores, do rosa ao violeta, do amarelo a um alaranjado quase
rubro. Pena, somente, que, segundo o vendedor, a literatura assegurava que os
peixes-jóia não procriavam, jamais, em cativeiro. Não se
incomodou. Bastava-lhe o prazer de examiná-los em seus passeios constantes
através de uma floresta de abundantes cabombas verdes, em cujos caules e em
cujas folhinhas caprichosamente se enrodilhavam.
Certa noite, ao voltar do seu trabalho,
percebeu o milagre. Sobre uma das pedras chatas que havia instalado na moradia
dos peixes-jóia, brilhavam centenas e centenas de ovinhos transparentes.
Desistiu de dormir. Puxou uma poltrona e, aceso por uma tonelada de café, lá
ficou, extasiado, impactado, a fim de testemunhar a eclosão. Em uma semana, os
filhotes já ultrapassavam os milímetros de tamanho. Em um mês, já navegavam,
formidáveis, atrás do pai e da mãe. Fotografou. E, orgulhoso da sua conquista,
enviou as imagens a mestres em aquários do planeta inteirinho. Ganhou fama –
internacional.
Até que, noutra noite, deparou com uma
tragédia. O pai falecera e a mãe enlouquecera pela súbita solidão. Pior: a
mordidas, literalmente assassinara os filhotes. Desalentado, chorou. Daí,
enfurecido pelo drama, agiu como a mãe dos seus peixes-jóia. Desligou todos os
equipamentos de proteção de todos os seus aquários. Notificou a empregada: “Por
favor, não tente salvar os meus peixes. Apenas, quando morrerem, jogue fora,
antes que apodreçam...”
Saiu de férias. Retornou com um belo
filhote de pastor alemão.
* Diplomou-se em Arquitetura. Trabalhou
na revista “Veja” de 1967 até 1976, onde se tornou editor de “Artes &
Espetáculos”. Passou por “Vogue”, agências de publicidade, foi redator-chefe de
“Istoé”, colunista da “Folha” e do “Estadão”, fez programas de gastronomia em
várias emissoras de TV, virou comentarista de esportes da Band, Manchete e
Record, até se fixar, em 2003, na ESPN. Trabalha, além da ESPN, na Reuters, na
“Flash”, no portal Ig e na “Viva São Paulo” e é sócio da filha e do genro na
Lancellotti Pizza Delivery – site de Internet www.lancellotti.com.br.
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