Personagem feminina que beira a
unanimidade
A oitava mulher citada na série “Catorze personagens
femininas inesquecíveis”, organizada pelo site “Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com) é a mais óbvia
e conhecida possível. Só não seria a escolhida por nenhum dos consultados – e não
só neste, mas em qualquer levantamento desse tipo – por algum momentâneo
esquecimento, por um lapso de memória desses que nos acometem, uma vez ou outra,
quando menos esperamos, dos participantes. Ou então (o que acho mais provável)
por cada um (perdoem o cacófato) achar que qualquer outro, dos demais treze
convidados, com certeza, votaria nela. E... bingo! Alguém, de fato, votou! Nem poderia ser
diferente. O leitor perspicaz já percebeu, certamente, quem é essa personagem
que reúne em torno de si a unanimidade, ou quase. Sim, é ela mesmo; É a Maria Capitolina
Santiago, mais conhecida como Capitu, protagonista feminina do clássico de
Machado de Assis, “Dom Casmurro”.
Quem a mencionou foi a estudante da Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, a carioca Sofia Alves. Volto a lembrar
que a pesquisa do site, objeto da série de comentários que venho fazendo há já
alguns dias, reúne catorze especialistas, ou apaixonados por Literatura, que
têm que escolher apenas uma única personagem feminina que considere
inesquecível, com a devida justificativa. Reitero minha convicção que, se não
fosse essa restrição, “todos” os participantes, sem nenhuma exceção, elegeriam
Capitu como a protagonista de ficção impossível de se esquecer. Fiz, de novo –
já a havia feito quando tratei da vida e da obra de Machado de Assis – consulta,
com duas dezenas de amigos, a esse respeito. Perguntei-lhes quem eles achavam
que era a personagem inesquecível da literatura mundial, sem restringir, ou
seja, sem especificar o sexo. O resultado sequer me surpreendeu. Foi,
rigorosamente, o que eu esperava. Todos, absolutamente todos, citaram de
imediato, sem vacilar, Capitu.
Destaco que nem todos que consultei são leitores assíduos.
Muitos sequer leram algum livro de Machado de Assis, e muito menos “Dom
Casmurro”, claro. Todavia, ninguém sequer insinuou outra personagem, que não a
mulher “de olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, em torno da qual permanece,
há mais de um século, a dúvida se traiu ou não traiu o marido, o senhor Bento
Santiago, conhecido na intimidade como Bentinho. Ou, vulgo, “Dom Casmurro”.
Creio ser redundante a apresentação do referido romance, de seu autor e dos
personagens que criou, sobretudo dessa figura maiúscula, “de olhos de ressaca”,
pela qual multidões de várias gerações se apaixonaram.
Sofia Alves justificou assim sua escolha, que é a de nove em
cada dez brasileiros, sem nenhum exagero: “Maria Capitolina Santiago, mais
conhecida como Capitu, é a personagem feminina que dá o tom ao clássico Dom
Casmurro, escrito por Machado de Assis. Nele encontramos a envolvente e
dependente história de amor entre a grande mulher e Bentinho, que se conhecem
desde a infância e, com o passar do tempo, descobrem o mundo e a si mesmos em
uma relação de constante desconfiança e possessividade. A notabilidade de
Capitu, enquanto mulher, é observada desde muito cedo na narração, o que mostra
quão avassaladora a personagem esculpida por Machado é”.
E a estudante carioca prossegue: “Seus olhos de ressaca, que
afogaram Escobar e Bentinho, são marca na história da Literatura e fazem uma
perfeita metáfora com seu ser: basta imergir-se naquele mar esverdeado por
muito tempo para se esquecer de si, até tornar-se inconsciente, e nada mais
ser. Moderna para uma figura surgida em 1899, Machado personificou em Capitu
valores absurdos à época, tais como o adultério e a exploração da sensualidade
feminina”. Achei oportuníssimo o fato de Maria Capitolina Santiago ser a
escolha de uma estudante, e não de algum escritor, jornalista, crítico
literário ou sociólogo participantes da pesquisa.
Por que? Por uma razão simples. Porque muitos estudantes pegaram
“birra” de Machado de Assis, por terem sido “obrigados” por seus professores a
lerem seus livros em aulas de português. Tudo o que é forçado, não raro, produz
esse efeito, mesmo que a obrigatoriedade seja de algo tendente a dar prazer, no
caso, o estético, e de enriquecer nossa cultura. O leitor duvida que haja
pessoas que detestam o Bruxo do Cosme Velho por essa razão? Pois não deveria.
Conheço vários e vários ex-estudantes que agem assim. Claro que não têm noção
do que estão perdendo. Só que, na consulta informal que fiz, consultei alguns
desses refratários á obra machadiana. E mesmo estes citaram Capitu como personagem
feminina inesquecível na literatura mundial. Espero tê-los convencido a reverem
sua posição de ojeriza pelo nosso maior escritor e tê-los induzido a ler seus
tantos livros, mas não mais por “obrigação”, mas para que façam, por si sós,
preciosas descobertas pessoais da genialidade literária e da beleza de relatos
bem escritos.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Muito conhecida e falada, com música que chama pelo seu nome, Capitu é mais conhecida do que propriamente lida. Uma lista sem ela será capenga.
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