Recado
ao PT: transformar o desalento em teimosia
* Por
Leonardo Boff
Tempos atrás escrevi
um artigo com o título semelhante. Relendo-o, vejo sua atualidade face à crise
de rumo pela qual passa o PT. Refaço-o com adendos. Não basta a indignação e o
desalento face aos crimes cometidos no assim chamado Lava Jato na Petrobrás.
Importa tomar a sério a amarga decepção provocada na população, particularmente
nos mais simples e nos militantes que agora suspiram cabisbaixos: ”nós que te
amávamos tanto, PT”.
O que tem que ser
suscitada nesse momento é a esperança, pois esta é notoriamente a última que
morre. Mas não qualquer esperança, aquela dos bobos alegres que perderam as
razões de estarem alegres. Mas a esperança crítica, aquela que renasce das
duras lições aprendidas do fracasso, esperança capaz de inventar novas
motivações para viver e lutar e que se consubstancia em novas atitudes face à
realidade política e com uma agenda enriquecida que completa a anterior.
A corrupção havida é
consequência de um estilo de fazer política, desgarrada das bases populares.
O PT foi antes de tudo
um movimento nascido no meio dos oprimidos e de seus aliados: por um outro
Brasil, de inclusão, de justiça social, de democracia participativa, de
desenvolvimento social com distribuição de renda. Como movimento, possuía as características
de todo carisma: galvanizar as pessoas e fazê-las ter um sonho bom. Ao crescer,
tornou-se inevitavelmente uma organização partidária. Como organização, virou
poder. Onde há poder desponta o demônio que habita todo poder e que, se não for
continuamente vigiado, pode pôr tudo a perder.
Com isso não queremos
satanizar o poder mas darmo-nos conta de sua lógica. Ele é, em princípio bom; é
a mediação necessária para a transformação e para a realização da justiça.
Portanto, ele é da ordem dos meios. Mas quando vira fim em si mesmo, se
perverte e corrompe, porque sua lógica interna é essa: não se garante o poder
senão buscando mais poder. E se o poder significa dinheiro, ganha formas de
irracionalidade: os milhões e milhões roubados se sucedem sem qualquer sentido
de limite.
Há um outro problema
ligado à organização: se os dirigentes perdem contacto orgânico com a base, se
alienam, se independizam e facilmente se tornam vítimas da lógica perversa do
poder como fim em si mesmo. Surgem as alianças espúrias e os métodos escusos. A
cupidez do poder produz a corrupção. Foi o que aconteceu lamentavelmente com
alguns altos setores do PT. Se estivessem ligados às bases, vendo os rostos
sofridos do povo, suas duras lutas para sobreviver, sua vontade de lutar, de
resistir e de se libertar, seu sentido ético e espiritual da vida, se sentiriam
fortificados em suas opções e não sucumbiriam às tentações do poder corruptor.
Mas se descolaram das bases.
Agora para o PT não
resta senão a resiliência, dar a volta por cima e fazer dos erros uma escola de
humilde aprendizado. Para os militantes e demais brasileiros que abraçaram a
causa do PT, embora não sendo filiados ao partido como eu e outros, o desafio
consiste em transformar a decepção em teimosia.
A teimosia reside
nisso: apesar das traições, as bandeiras suscitadas pelo PT já há 25 anos,
devem ser teimosamente sustentadas, defendidas e proclamadas. Não por serem do
PT mas porque valem por si mesmas, pelo caráter humanitário, ético, libertador
e universalista que representam.
A bandeira é um
sonho-esperança de um outro Brasil não mais rompido de cima abaixo pela
opulência escandalosa de uns poucos e pela miséria gritante das grandes
maiorias, um Brasil com um projeto de nação aberto à fase planetária de
humanidade, cujos governos pudessem, com a participação popular, realizar a
utopia mínima que é: todos poderem comer três vezes ao dia, irem ao médico
quando precisassem, enviarem suas crianças à escola, terem emprego e com o
salário garantirem uma vida minimamente digna e, quando aposentados, poderem
enfrentar com desafogo os achaques da idade e poderem despedir-se, agradecidos,
deste mundo.
Os portadores deste
sonho-esperança são as grandes maiorias, sobreviventes de uma terrível
tribulação histórica de submetimento, exploração e exclusão. Sempre os donos do
poder organizaram o Estado e as políticas em função de seus interesses,
deixando o povo à margem. Tiveram e ainda têm vergonha dele, tratado como
zé-povinho, carvão para o processo produtivo. Mas ele, apesar deste
espezinhamento, nunca perdeu sua auto-estima, sua capacidade de resistência, de
sonho e de alimentar uma visão encantada do mundo. Conseguiu organizar-se em
inumeráveis movimentos, na Igreja da libertação e foi fundamental na criação do
PT como partido nacional.
Essa utopia alimentou
o PT histórico e ético. Esta bandeira deve ser retomada, pois é ela que pode
refundá-lo, confiando mais na dedicação do que na ambição, mais na militância
que na maquiagem dos marqueteiros. Foi esta bandeira que entusiasmou as massas,
que teve uma função civilizatória ao fazer que o pobre descobrisse as causas de
sua pobreza, se politizasse e se sentisse participante de um projeto de
reinvenção do Brasil no qual fosse menos difícil de ser gente.
Porque é místico e
religioso (o PT soube valorizar o capital de mobilização que possui esta
dimensão?) o povo brasileiro tem um pacto com a esperança, com os grandes
sonhos e com a certeza de que se sente sempre acompanhado pelos bons espíritos
e pelos santos fortes a ponto de suspeitar que Deus seja brasileiro. É bebendo
desta fonte popular que o PT pode se renovar e cumprir sua missão histórica de
refundação de um outro Brasil. Se não assumir esta tarefa, vãs serão suas
estratégias de subsistência e de esperança de futura vitória.
*
Leonardo Boff é teólogo e autor de “Tempo de Transcendência: o ser humano como
projeto infinito”, “Cuidar da Terra-Proteger a vida” (Record, 2010) e “A oração
de São Francisco”, Vozes (2009 e 2010), entre outros tantos livros de sucesso.
Escreveu, com Mark Hathway, “The Tao of Liberation exploring the ecology on
transformation”, “Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz” (Vozes, 2009).
Foi observador na COP-16, realizada recentemente em Cancun, no México.
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