Cordialmente odiados
Por Pedro J. Bondaczuk
O
jornalista pode ser respeitado pelo currículo que ostenta, admirado pelas
reportagens corajosas e detalhadas que já publicou ao longo da carreira, e até
“glorificado” pelos diversos prêmios jornalísticos que conquistou. Todavia,
salvo raríssimas exceções, não é amado – como muitas vezes, equivocadamente,
supõe – por essa mesmíssima sociedade a que se propôs a defender. Pelo
contrário... chega a ser “cordialmente odiado”. Seu trabalho, por mais honesto,
responsável e competente que seja, é, em geral, posto liminarmente sob
suspeição e cercado de desconfiança.
Quem já não viu e/ou não ouviu
repórteres de jornais, revistas, rádio e televisão (não importa) serem acusados
por políticos, dirigentes de clubes, técnicos, jogadores de futebol, artistas,
funcionários públicos ou seja lá por quem for de distorcer informações, quando
estes agentes da notícia são flagrados, por exemplo, publicamente, em mentira?
Ou quando as matérias a seu respeito têm cunho negativo?
Não raro esses indivíduos têm o
desplante de sustentar, e enfaticamente, a acusação – quase sempre acompanhada
de ameaças (ostensivas ou veladas) de processo –, mesmo quando o profissional
de imprensa apresenta a gravação da entrevista contestada que fez, provando o
que de fato eles disseram. A prova material, porém, não lhes é o bastante.
Teimam em insistir na afirmação de que aquilo que de fato declararam (e que ali
está, gravado na fita), foi editado, distorcido, mal-entendido, ou colocado
fora de contexto.
Muitos chegam a ir até mais longe:
exigem, cinicamente, do veículo de comunicação, direito de resposta. E, pior: o
obtêm. Se o repórter tem consigo a gravação, ainda consegue se explicar
razoavelmente perante a chefia, não sem antes passar por constrangimentos de
toda a sorte e por muitos aborrecimentos. E tudo isso apenas por ter feito
direitinho o seu trabalho! Nesses casos, apesar dos pesares, ainda se safa de
problemas maiores. Se não tem a fita...
Já testemunhei casos em que
profissionais sérios, dedicados e íntegros foram sumariamente demitidos por
justa causa, em circunstâncias como esta, e tiveram suas carreiras
comprometidas, ou pelo menos retardadas. Principalmente quando, em vez de
gravarem essas entrevistas polêmicas, com personalidades em que confiavam e que
julgavam ser suas “amigas”, se limitavam a fazer anotações, em geral cifradas,
em seus blocos de notas ou agendas de trabalho, para depois as transcreverem na
hora de redigir o texto final. Fica, nestes casos, a palavra de quem acusa
contra a de quem se defende. E, se o repórter não goza de prestígio na empresa
(principalmente quando novato) não é nada difícil de adivinhar de que lado a
corda arrebenta, não é mesmo?
E o editor, nesta história toda, como
fica? Afinal, ele tem o poder de decisão de publicar ou não essa, ou qualquer
outra matéria, em sua editoria. Pelo menos em todos os jornais que trabalhei,
tinha essa prerrogativa. Aí vai depender muito do seu caráter e do grau de
amizade, ou pelo menos de confiança, em seu repórter. Alguns defendem
enfaticamente o companheiro e vão às últimas conseqüências. Outros...
Limitam-se a lavar as mãos. Infelizmente, os que agem como Pilatos são maioria.
Argumentam que a reportagem “era
assinada” (e em geral, as que implicam em polêmica, eles fazem questão de
assinar) e que o repórter garantiu que os dados eram absolutamente confiáveis e
acreditou na sua palavra. O máximo que pode lhes acontecer nestes casos é
receberem uma advertência da chefia e a ordem de publicarem a resposta do
queixoso. O colega de trabalho? “Que se lixe! Antes ele do que eu!”,
provavelmente raciocinam.
Claro que não se pode generalizar.
Nunca se pode! Não é toda a hora e nem em todas as empresas de comunicação que
fatos como estes ocorrem. Provavelmente apenas uma minoria age dessa forma. Mas
que isso existe, não tenham dúvidas: existe mesmo! Muita gente, pelo Brasil
afora, que está lendo este texto neste momento, já passou por algo parecido, ou
bastante semelhante.
Por isso, me irrito sobremaneira quando
ouço (ou quando leio) críticas (na maioria descabidas) ao trabalho da imprensa,
feitas em geral por pessoas que raramente (ou nunca) puseram os pés em uma
redação e não têm a menor noção dos problemas e dos riscos que os jornalistas
enfrentam em sua nobre e espinhosa função.
As reportagens são classificadas, por
esses críticos gratuitos, entre outras coisas, de serem maçantes, “incolores,
impessoais e insípidas”, com textos neutros e massificadores. Claro que são
opiniões de quem não é do ramo e não sabe (ou não quer) valorizar o bom
trabalho jornalístico. O jornalismo atual, é verdade, não é a “oitava
maravilha” do mundo, mas é muito mais responsável e atrativo do que há alguns
anos. Enfim...
Problemas entre repórteres e
personagens da notícia, aliás, estão longe, muito distantes de serem novos. Há
aqueles que se empolgam em demasia com o suposto poder que têm em mãos e
procuram fazer “amizade” com essas personalidades, até como forma de ostentação.
Quase sempre, pagam muito caro por essa vaidade. Ao escreverem sobre essas
pessoas, por exemplo, correm o risco de deixar de lado a objetividade e a
isenção. Quando não as perdem...enquanto o que publicam é favorável às
personalidades, supostamente “amigas”, tudo bem. Quando não...
Marcel Proust, em um dos volumes da sua
magnífica obra “Em Busca do Tempo Perdido”, intitulado “Sodoma e Gomorra”, já
constatava: “É preciso ter visto o político que passa por ser o mais íntegro, o
mais intransigente, o mais inabordável desde que está no poder; é preciso tê-lo
visto, no tempo de sua desgraça, mendigar, timidamente, com um sorriso radiante
de amoroso, a saudação altiva de um jornalista qualquer”. Existe diferença em
relação ao que ocorre hoje? Somos ou não somos, na maioria dos casos,
“cordialmente odiados” até pelos que estão no mesmo barco que nós e que
procuram tirar vantagem do nosso trabalho, se nos deixarmos iludir?!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Bastante difícil essa mal remunerada profissão, pelo menos aqui no norte de Minas.
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