“Vargas, de São Borja a São Borja” disseca o final
de uma era
* Por
Mara Narciso
Amantes da Literatura,
pessoas comuns, leitores, e escritores reúnem-se no Clube de Leitura Ateliê
Galeria Felicidade Patrocínio. A escritora e presidente da Academia
Montesclarense de Letras, Professora Yvonne Silveira apresenta Manoel Hygino
dos Santos, autor do livro em pauta, “Vargas, de São Borja a São Borja”, de
2009. Filho de José Diamantino dos Santos e Tercília Simões dos Santos, a sua
mãe era filha única e vizinha de Yvonne, quando esta era menina. Muita bonita,
a moça ficava à janela e merece um poema em “Cantar de Amiga”, mencionando esta
imagem. Afastaram-se por questões de mudança de cidade, e anos depois conheceu
Manoel Hygino pelas crônicas nos jornais, e associou logo sobre de quem se
tratava, pois tem o mesmo nome do avô. “É cronista, contista, ensaísta e
articulista. Hoje, mais articulista. Narra fatos e fala sobre pessoas. Não é
literato, escrevendo preferencialmente ensaios”, diz Yvonne. Didática, explica
que memórias e ensaios são espécies periféricas de contos, novelas e romances.
A palavra “ensaio” foi cunhada pelo escritor francês Michel de Montaigne, sendo
um estudo que faz um apanhado geral. Para ela, Manoel Hygino, autor consagrado,
analisa os acontecimentos com muita responsabilidade, sendo um ensaísta notável
e o maior escritor de Montes Claros, único na Academia Mineira de Letras. Tem
estilo claro e ameno, evitando excessos. Sente-se ligada ao autor pelo tempo e
pela amizade.
O escritor, jurista e
político Petrônio Braz, palestrante da noite, diz que “Manoel Hygino é um
escritor montes-clarense de alta representação. A Era Vargas deixou o enigma da
sua morte, e o livro de Manoel Hygino mostra revelações fantásticas. Os fatos
são os fatos e o tempo não volta para definir falhas e redefinir valores.
Getúlio Vargas era gaúcho dos Pampas, com vigor moral e físico insuperável”. De
acordo com o autor, Getúlio foi deputado estadual, deputado federal, Ministro
da Fazenda e Presidente da República durante 19 anos. Não era militar, mas com
uniforme de coronel, entra com o Exército do Rio Grande do Sul no Rio de
Janeiro, a Capital Federal. Segundo Petrônio Braz, Manoel Hygino usa em seu
livro uma linguagem jornalística, a qual tem de ser imparcial, e faz isso de
uma forma culta e sem arrogância literária. Procura desvendar os fatos e
relatá-los de acordo com a História, criando empatia com o leitor. Usa uma boa
narrativa, expondo como os fatos aconteceram. Escreve inicialmente como se o
leitor conhecesse os acontecimentos, recorre ao recurso não cronológico, indo
ao fim e depois ao princípio, e novamente chega ao meio, em 1945.
Posteriormente estabelece a cronologia, foca seu trabalho no período de 1950 a
1954, deixando de lado os 15 anos anteriores. “Há universalidade na obra, pois
busca todos os leitores, com clareza do contexto geral, sem individualizações”,
comenta o palestrante.
Petrônio Braz
contextualiza os fatos, e com um datashow, chama a plateia para conhecer
Getúlio Vargas em 1930, ocasião em que o Brasil sofre uma efervescência. Tinha
sido uma República Militar até 1915, e depois República Civil, iniciando-se a
República Café com Leite, em que se revezavam presidentes mineiros e paulistas.
Em 1930 Júlio Prestes quer que o próximo presidente seja novamente de São
Paulo, e chega a ser eleito, mas não toma posse, pois Minas Gerais, Rio Grande
do Sul e Paraíba se revoltam. “Getúlio Vargas toma o poder pela força, porém,
com ares de democracia”, conta Petrônio. Em 1934 os deputados são eleitos para
a constituinte. Em 1937, há ideologias efervescentes na Europa, com o Nazismo
de Adolf Hitler na Alemanha e o Fascismo de Benito Mussolini na Itália. A China
derruba o imperialismo, a Rússia é comunista, a África como colônia reflete os
acontecimentos do Velho Continente, e uma nova constituição é feita no Brasil.
Getúlio Vargas adéqua a si e às suas intenções as leis do país. O mundo se
divide em duas metades, uma comunista e outra capitalista.
Petrônio Braz informa
que Luiz Carlos Prestes quer implantar o comunismo no Brasil. Surge o
Integralismo de Plínio Salgado, que era uma cópia do fascismo italiano e tem a
intenção de levar o Brasil a integrá-lo. Getúlio Vargas fica entre duas
espadas: o comunismo e o integralismo. As Forças Armadas dão todas as condições
para que Getúlio Vargas tome o poder, e o Estado Novo, em 1937, sepulta o
Integralismo. Na Segunda Guerra Mundial, o presidente demora a tomar decisões.
Em tempo de paz, cria-se no Brasil a busca pela liberdade, pois a guerra era
por essa busca. O DIP, Departamento de Propaganda, tem opinião absoluta e
controle sobre todos os meios de comunicação. Representantes do Governo estão
nas redações impedindo qualquer palavra contra Getúlio.
Manoel Hygino deixa
claro que Vargas era um chefe escondido. O palestrante afirma que poucos
brasileiros o viram, mas todos o conheciam pelo DIP. Não sai por não precisar
de votos e por temer represálias. A sua guarda pessoal é do Exército, mas o
presidente cria uma guarda independente. O Rio Grande do Sul tem problemas de
fronteira, por isso os gaúchos a garantem com uma milícia paramilitar. O
tenente Gregório Fortunato, proveniente desta milícia, é o chefe da guarda
pessoal, ainda que pouco tivesse frequentado à escola. Em 1938, o chamado Anjo
Negro fica colado em Getúlio. Numa ocasião, durante um discurso, salta entre um
homem armado e o presidente e leva um tiro. Somente depois de acabada a fala,
procura o hospital.
Após 1945 acontece a
busca pela democracia. Há interesse por um governo democrático, mas sem tirar
Getúlio. O General Dutra, que foi senador, pensa no retorno do militarismo,
pois não há um civil à altura do cargo. O brigadeiro Eduardo Gomes, em 1950,
manifesta desejo pela presidência. Fora do Governo, o povo quer o retorno de
Getúlio Vargas, o que configura o “queremismo”. Nas urnas, Vargas, do PTB,
embora um partido fraco, derrota a UDN e o PSD. Ganha o apoio do povo e perde o
apoio das Forças Armadas, mas o restabelecimento da democracia dá-lhe forças. Todos
estão contra ele, sendo Carlos Lacerda, um grande orador, o chefe dos
contrários.
A Aeronáutica apoia
Carlos Lacerda e teme por sua vida. Põe o major Vaz para ser seu guarda-costas,
e caso morresse, traria convulsão para o poder. Getúlio não dá entrevistas.
Apenas o DIP fala por ele. Certa vez recebe o jornalista Joel Silveira e
conversam amenidades. A certa altura, Joel inicia a entrevista, mas Getúlio sai
batendo a porta, o que é para o repórter “uma chicotada”.
O “mar de lama” foi comprovado
quando Gregório Fortunato, o chefe da guarda pessoal, decide matar Carlos
Lacerda e o major Vaz morre em seu lugar. Há tiroteio na Rua Toneleros. “O
autor Manoel Hygino traz provas de que Lacerda entrou andando no hospital,
depois de ter levado um tiro de calibre 45 no pé. Tal bala despedaçaria seu pé,
impossibilitando-o de caminhar” diz Petrônio Braz. A Aeronáutica manda ofuscar
o episódio do tiro no adversário, e ficar com a morte do major Vaz. Armando
Falcão afirma que Lacerda, míope e sem óculos, pensa ter matado o major. A
Aeronáutica quer a cabeça de Getúlio, e condena Fortunato e sua guarda. Caso a
verdade venha à tona, muda a História do Brasil.
O presidente em agonia é
aconselhado a ir para São Paulo ou Rio Grande do Sul, enquanto se faz as
investigações. O gaúcho não aceita e afirma que só sairá morto do Palácio do
Catete. O palestrante Petrônio Braz, então prefeito da cidade de São Francisco,
aos 25 anos, chega ao aeroporto da Pampulha para recepcionar Getúlio Vargas em
sua derradeira viagem. Uma semana antes de morrer, Vargas está em Belo
Horizonte, para inaugurar a Mannesman. A guarda de honra é da Aeronáutica, e o
ambiente é horrível, pesado, hostil. Getúlio Vargas está à porta do avião, e em
volta um silêncio absoluto. Espera-se um tiro para matá-lo. O clima só fica
mais leve quando chega Juscelino Kubitscheck, governador do estado. Petrônio
Braz tem a oportunidade de apertar a mão do presidente, que faz um discurso
amargurado.
No dia 24 de agosto de
1954 há um princípio de revolução e o Brasil para. Não aceitando o conselho de
se licenciar, Getúlio Vargas se suicida com um tiro no peito. Um ato heróico? É
a maior convulsão já acontecida no Brasil, e o povo inteiro vai às ruas. “Saio
da vida para entrar na História”, diz o presidente em sua carta testamento.
“Getúlio Vargas foi um homem honesto, que não cometeu falhas, mas sua família
sim. O palácio estava cheio de corrupção. Manoel Hygino Santos foi soberbo em
mostrar isso”, finaliza Petrônio Braz.
*Médica endocrinologista,
jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Seu Gegê talvez seja a mais polêmica e misteriosa figura da política brasileira. Um assunto e tanto, que renderia vários textos - tão bons quanto este. Abraços.
ResponderExcluirComo eu disse ao autor, após terminar de ler o livro, eu fiquei com uma imagem totalmente diferente da que tinha do personagem, porém não diria achá-lo simpático. A imagem de Olga Benário grávida, sendo encaminhada aos fornos (teve a filha antes), ficou para sempre em minha memória. Obrigada, Marcelo.
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