País de poetas
O Brasil é um país de
poetas. Não quero dizer com isso que não tenhamos escritores magistrais em
todos os outros gêneros literários. Temos, e muitos, e geniais, e merecedores
de perpetuidade de suas obras e vidas no âmbito da Literatura mundial. Pena que
sejam pouco conhecidos – salvo uma ou outra exceção – além fronteiras, em
centros culturais de maior tradição (e projeção), notadamente na Europa e nos
Estados Unidos. Tanto que, desde 1901, quando foi instituído, o Prêmio Nobel de
Literatura jamais foi atribuído a algum brasileiro. Considero isso mais do que
injustiça. É, no mínimo, uma baita heresia, mega sacanagem, para não dizer,
contundente falta de conhecimento sobre nossos geniais homens de letra.
Suponho, no entanto, que
se algum dia algum escritor tupiniquim vier a receber esse cada vez mais
midiático reconhecimento internacional, este será um poeta. O País favorece que
eles surjam em profusão. E surgem mesmo, em todas as épocas e em todos os
lugares. Surgem nas mansões e nos barracos das favelas. Surgem nos mangues e
nos igarapés. Surgem nos Pampas e nas estepes. Brotam da terra como plantas. O
próprio Brasil (a despeito de suas carências, problemas e vulnerabilidades) é
um sublime poema, sobretudo por suas belezas naturais. Sua natureza é
exuberante, sublime, deslumbrante, apaixonante!!
A simples relação
somente dos poetas conhecidos ascende a algumas centenas. E muitos dos,
digamos, “obscuros”, são excepcionais e deslumbram, tão logo tomemos
conhecimento de suas obras. Na minha deliciosa faina diária na busca por textos
marcantes, topo, a todo o momento, com poemas de extraordinária beleza e
sabedoria de poetas que sequer sabia que existiam. Se eu tivesse que escolher –
já não digo o “melhor”, mas os dez melhores – brasileiros do gênero, não
conseguiria. Se ampliasse essa relação para 50 nomes, ainda assim permaneceria
em idêntico impasse. O mesmo se daria se a lista fosse ampliada para cem, para
quinhentos, para mil ases da arte de poetar. Vocês acham que estou exagerando?
Não, não estou! Tentem relacionar os poetas que merecem “imortalidade” e logo
notarão que se esqueceram deste, daquele e daquele outro. Ou seja, de dezenas,
de centenas, de milhares de nomes.
A Revista Bula encarou,
recentemente, este desafio. Pediu a 50 convidados, todos “experts” em
Literatura – escritores, críticos literários, jornalistas e professores – que escolhessem
os poemas mais significativos de autores brasileiros em todos os tempos. Ou
seja, foi uma tarefa muito mais complicada ainda do que a de relacionar somente
poetas. O universo de composições com essas características chega quase a
beirar o infinito. A revista impôs regras claras e específicas aos ilustres e
doutos convidados. Ou seja, dificultou ainda mais a tarefa, embora possa
parecer aos desavisados que tenha facilitado.
A proposta da “Bula” foi
a seguinte: “Cada participante poderia indicar entre um e dez poemas. Nenhum
autor poderia ser citado mais de uma vez. Quarenta poemas foram indicados, mas,
destes, apenas 24 tiveram mais de três citações. São eles: ‘A Máquina do Mundo’,
‘Procura da Poesia’, ‘Áporo’ e ‘Flor e a Náusea’, de Carlos Drummond de
Andrade; ‘O Cão Sem Plumas’, ‘Tecendo a Manhã’ e ‘Uma Faca Só Lâmina’, de João
Cabral de Melo Neto; ‘Invenção de Orfeu’, de Jorge de Lima; ‘O Inferno de Wall
Street’, de Sousândrade; ‘Marília de Dirceu’, de Tomás Antônio Gonzaga; ‘Cobra
Norato’, de Raul Bopp; ‘O Romanceiro da Inconfidência’, de Cecília Meireles; ‘Vozes
d’África’, de Castro Alves; ‘Vou-me Embora pra Pasárgada’ e ‘O Cacto’, de
Manuel Bandeira; ‘Poema Sujo’ e ‘Uma Fotografia Aérea’, de Ferreira Gullar; ‘Via
Láctea’ e ‘De Volta do Baile’, de Olavo Bilac; ‘Canção do Exílio’, de Gonçalves
Dias; ‘As Cismas do Destino’ e ‘Versos Íntimos’, de Augusto dos Anjos; ‘As
Pombas’, de Raimundo Correia; ‘Soneto da Fidelidade’ de Vinícius de Moraes”.
A totalidade dos poemas indicados faz jus a
figurar nesse seletíssimo ranking, sem a menor dúvida. O que chama a atenção,
todavia, é a não citação de obras paras lá de marcantes, de Drummond, de
Bandeira, de Cecília Meirelles, de Castro Alves etc.etc.etc. A relação peca não
pelo que incluiu, mas pelo que foi omitido. E, heresia das heresias Mário
Quintana sequer ter sido mencionado Ora, ora, ora....Nem Cruz e Souza. Ora,
ora, ora... Nem Homero Homem. Ora, ora, ora... Nem Paulo Setúbal. Ora, ora,
ora... Nem Paulo Bonfim. Ora, ora, ora. Nem Nélida Piñon. Ora, ora, ora... Nem
Hilda Hilst. Ora, ora, ora... Nem Adélia Prado. Ora, ora, ora... Nem Flora
Figueiredo. Ora, ora, ora... E posso desfiar dezenas, centenas, quiçá milhares
de poetas e poetisas que merecem figurar em toda e qualquer lista dos melhores
e não com uma ou duas composições, mas com dezenas delas, que não foram
relacionados nesse levantamento.
Fique claro que não
estou criticando e muito menos contestando a iniciativa da revista Bula, mas
aplaudindo-a de forma entusiástica e apaixonada. Só faço restrição ao título
dessa “eleição informal”. Falta, nele, uma palavrinha que é imprescindível e
que se for colocada, tornará essa relação útil e, sobretudo, justa, ainda que
incompleta. Em vez de serem os “Dez poemas mais significativos de autores
brasileiros em todos os tempos”, a esse título se deve acrescentar a expressão “alguns
dos...” Querem saber quais são os “top 10” escolhidos pelos ilustres “jurados”.
São os seguintes, sem respeitar nenhuma ordem específica: “A máquina do mundo”
(Carlos Drummond de Andrade), “Vou me embora pra Pasárgada” (Manuel Bandeira), “Soneto
da fidelidade” (Vinícius de Moraes), “Via Láctea” (Olavo Bilac), “O cão sem
plumas” (João Cabral de Melo Neto), “Canção do exílio” (Gonçalves Dias), “As
cismas do destino” (Augusto dos Anjos), “As pombas” (Raimundo Correia), “Invenção
de Orfeu” (Jorge de Lima), e “Poema sujo” (de Ferreira Gullar, que em 9 de
outubro de 2014 foi eleito, com 37 dos 38 votos dos acadêmicos, para a Academia
Brasileira de Letras), cujo poema partilho com vocês:
Poema Sujo
"turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro:
menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro
claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo
fabrica
e vem sonhando desde as
entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua
bocetinha
que parecia sorrir
entre as folhas de
banana entre os cheiros
de flor
e bosta de porco aberta
como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de
palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de
estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome
dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de
tanta noite e tanto dia"
Boa leitura.
O Editor
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
Antes de conhecê-lo eu não ligava para poesia.
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