Especulações
sobre influências sofridas por um enigma ambulante
O homem é um feixe de influências.
São elas que determinam o que pensa, como age, o que faz e, enfim, o que é. As
pessoas são influenciadas pelos pais, pelos mestres, pelas amizades, pelas
inimizades, enfim, de uma forma ou de outra, por todos com quem mantêm contato
ao longo da vida, nos graus mais variáveis, mesmo que apenas superficiais ou
ocasionais. Os ambientes que freqüentam também influem na formação de sua
personalidade, processo que não tem fim, enquanto se tiver um sopro de vida. O
homem é influenciado, ainda, pelo que lê, vê ou ouve. Por isso, é tarefa, no
meu entender impossível, a de determinar, com o máximo rigor e sem margem para
equívocos, o que uma pessoa de fato “é” em sua essência. Nenhum de nós pode
fazer isso. Por que? Porque... nos desconhecemos. Ademais, somos seres mutantes
no que diz respeito às nossas convicções, opiniões e atitudes.
Determinadas influências, porém,
são possíveis de serem detectadas em nossa conduta e em nossas obras. Há uma
pergunta, nunca respondida com absoluta precisão e que, sempre que vem à baila,
gera debates, controvérsias e muita polêmica. É a seguinte: “Existe alguma
forma do indivíduo moldar sua personalidade ou esta é produto da educação e do
meio em que ele vive e, portanto, mera fatalidade? As opiniões a respeito,
reitero, divergem. Muitos educadores entendem que a moldagem é possível e a
vontade tem papel determinante nessa tarefa. Outros, por sua vez, acham que
não. O pensador catalão Jaime Luciano Antonio Balmes y Urpiá chegou a
apresentar uma fórmula para essa construção de uma identidade positiva: "A
verdadeira personalidade deve ter cabeça de gelo, coração de fogo e braços de
ferro". Ou seja, precisa contar com frieza ao raciocinar, paixão ao sentir
e energia ao agir.
Este parece ser o perfil, pelo
menos aproximado, do nosso personagem, o escritor japonês Yukio Mishima. Para
mim, o que foi, o que fez, e, sobretudo, sua motivação são um tanto inexplicáveis,
se não obscuras. Continuo considerando-o um “enigma ambulante”, ao cabo de
cuidadoso estudo a seu respeito. Pudera, se nem seu melhor biógrafo e amigo,
John Nathan, que teve estreito convívio com ele, conseguiu explicar, sobretudo,
suas obsessões, quem sou eu, que o conheço somente de um ou outro dos seus
livros, para fazê-lo? Todavia, posso especular (qualquer um pode) sobre o que o
influenciou para ser o que foi e para fazer o que fez.
Creio que a influência mais
profunda e duradoura que recebeu foi a da sua avó paterna, Natsu, descendente
de uma linhagem de samurais, a cuja tutela foi entregue desde quando bebê até a
idade de doze anos. Recebeu, dessa mulher severa e taciturna, de idéias conservadoras
e tradicionalistas, educação rígida, espartana, dura, caracterizada por extrema
disciplina, em que princípios e valores de um passado remoto lhe foram
incutidos, a ferro e fogo, com destaque para a ética, a fidelidade, o
estoicismo e a honra. Outra influência provável foi a de seus mestres.
Destaque-se que o professor não educa
somente uma, dez, cem, mil pessoas ou mais. E nem, apenas, uma geração: a sua.
As sementes que planta sobrevivem ao tempo e produzem frutos muitos e muitos
anos depois da sua morte. Na verdade, educa uma espécie. O norte-americano
Henry Adams foi de extrema felicidade ao constatar: “Um professor sempre afeta
a eternidade. Ele nunca saberá onde sua influência termina”.
Yukio Mishima estudou num colégio de elite em Tóquio, a Gakushuin, instituição
educacional, estabelecida em 1877, durante o período Meiji. Era exclusiva da
aristocracia japonesa. No caso, fazia todo o sentido. Afinal, o jovem promissor
provinha de família da elite. Para o
leitor ter uma idéia do quanto essa escola era exclusiva, basta dizer que nela
estudaram o imperador Hiroito, seu sucessor Akihito, além da princesa Aiko. Com
o tempo, a Gakushuin passou a aceitar alunos que, mesmo não sendo da nobreza,
provinham de famílias extremamente ricas. Uma das alunas que se enquadrava
nesse caso, foi Yoko Ono, viúva do ex-Beatle John Lennon. Depois da Segunda
Guerra Mundial, a instituição se tornou privada (até então, pertencia ao
governo imperial) e abriu algumas filiais. Existe até hoje, embora não conserve
a mesma rigidez do passado. Ainda assim, é exclusiva.
Não vejo, porém, muita influência em sua personalidade e obra do curso
universitário no qual Mishima se diplomou. Em 1947, aos vinte e dois anos de
idade, ele doutorou-se em Direito pela Universidade de Tóquio. Não consta que
tenha advogado. Chegou a trabalhar, sim, por algum tempo (muito pouco), mas
como funcionário burocrático do Ministério de Finanças. Não se deu bem com a
rotina e logo abandonou o emprego, para dedicar-se, em tempo integral, à
Literatura. Mas foi bastante influenciado por sua passagem pela Força de Defesa
do país (o exército japonês), onde aprimorou a cultura física e tornou-se
perito nas artes marciais.
Literariamente, a maior influência que Yukio Mishima sofreu,
provavelmente, foi de Yasunari Kawabata, que o introduziu no mundo literário
japonês. Contudo, indiretamente, foi, também, a causa (indireta) de sua maior
decepção. Seu mentor conquistou o Prêmio Nobel de Literatura de 1968, quando
ele esperava (tinha praticamente certeza) de que seria o ganhador, pois era a
terceira vez que havia sido indicado. Claro que não manifestou esse sentimento
ao seu mestre e protetor, ao qual, elegantemente, cumprimentou. Mas dos amigos
mais íntimos (poucos) não escondeu a decepção que isso lhe causou. Nem poderia.
Outras influências literárias podem ser detectadas (posto que sutilmente) na
obra de Mishima. São os casos, por exemplo, do dramaturgo francês Jean Racine,
do poeta alemão Johann Wolfgang Von Göethe e do poeta e revolucionário italiano
Gabrielle D’Annunzio, cujas obras traduziu. Ou do inglês Oscar Wilde (condenado
à prisão por prática de homossexualismo). Ou dos franceses Raymond Radiguet e
Georges Bataille. Ou dos alemães Thomas Mann e Friedrich Nietszhe.
Reitero, todavia, que esse elenco (pequeno) de influências que citei (e
poderia citar muitas mais) não passa de mera especulação, baseada em parcas
informações colhidas a propósito em sua biografia e nos escassos textos de sua
autoria que tive o privilégio de ler. Pode ser que todas elas, ou algumas
delas, de fato ocorreram. É possível. Como pode ser, também, que nenhuma dessas
circunstâncias e pessoas influenciou o que foi, pensou ou fez. A rigor, acredito
que nem mesmo o próprio Mishima poderia garantir quem e o que foram
determinantes em sua vida a ponto de poderem explicar suas atitudes, muitas das
quais incompreensíveis e, notadamente, a forma dramática e teatral que escolheu
para dar cabo da vida: mediante o “seppuku”, o suicídio ritual dos samurais.
Boa leitura.
O Editor
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