Penas
ao vento
* Por Pedro J. Bondaczuk
A mania de falar da vida dos outros é,
provavelmente, tão antiga quanto o próprio homem. E em geral, fala-se mal.
Poucas vezes ouvi alguém elogiando quem quer que fosse pelas costas. E não há
rodinha de amigos, seja onde for (quer no Uzbequistão, Uganda, Vietnã, Equador
etc. ou quer no Brasil), em que a vida de alguém não seja objeto de crítica, de
mofa ou de maldosas insinuações.
É o que o povo costuma chamar de “fofoca”. Há,
praticamente em todo o bairro de qualquer cidade, figuras, até lendárias, das
famosas “fofoqueiras” de plantão. Isso não quer dizer, claro, que só as
mulheres pratiquem esse inútil, mas tão corriqueiro “esporte”. Quando se trata
de deitar falação sobre pequeninos defeitos alheios, isso nem tem maiores
conseqüências (em geral, nenhuma). Mas quando se entra no pantanoso terreno da
moral... O procedimento descamba da simples maledicência para algo gravíssimo,
como a injúria, a calúnia e/ou a difamação.
Se a vítima for um pouco mais esquentada e se o que
se disser dela for extremamente ofensivo, o autor (ou autores) pode ter que
responder por seus atos na justiça. Ou seja, pode levar um baita de um processo
judicial nas costas. Em geral, essas ações acabam não dando em nada e apenas
engordando as contas bancárias dos advogados. Ainda assim, trazem enormes
aborrecimentos para os réus, que poderiam ser evitados se estes resistissem à
tentação de fofocar e mantivessem a boca fechada.
Noventa e nove por cento das fofocas que se fazem
por aí têm um teor, diria, “sexual”. Referem-se, por exemplo, a dúvidas sobre a masculinidade da vítima (ou
a existência dela, quando se trata de mulher), a insinuações sobre traições
conjugais (e no caso o traído é que sempre se torna vítima de chacota, como se
tivesse cometido um ato imoral, quando, na verdade, quem deveria merecer a
reprovação social seria a “corneadora” e não o corno) e sobre a “galinhagem” de
fulano, sicrana e ou beltrana.
Não é isso o que o leitor ouve, dezenas de vezes por
dia, no trabalho, nos bares, nas filas de ônibus, do cinema, ou de consultórios
ou, não raro, em sua própria casa? Claro que é! O engraçado é que o fofoqueiro
nunca admite que o é. E mais, sente-se sumamente ofendido quando é chamado por
essa designação. Provavelmente, sequer tem consciência de que merece plenamente
esse rótulo.
A esse propósito, ouvi e li centenas de versões
sobre o episódio de “Maomé e as penas”, cada qual atribuído a um autor
diferente. Cito, porém, a que li mais recentemente, num artigo escrito por Clarence
W. Hall (para mencionar uma fonte, já que a versão não é minha e não quero me
apropriar, indevidamente, dela).
Escreve o citado jornalista norte-americano: “Quando
um vizinho perguntou a Maomé como poderia penitenciar-se por haver acusado
falsamente um amigo, foi aconselhado a colocar uma pena de ganso em cada porta
da aldeia. No dia seguinte, Maomé disse: ‘Agora vá recolher as penas’. O homem
protestou: ‘Mas isso é impossível! Ventou a noite inteira e as penas foram
irremediavelmente espalhadas’. ‘Exatamente – respondeu Maomé – o mesmo
aconteceu com as palavras irrefletidas que você pronunciou contra o seu vizinho’".
Isso ilustra bem os males que uma acusação falsa, ou
uma simples e aparentemente inocente fofoca, causam. Ela se espalha com rapidez
estonteante e, a cada nova versão, aumenta de tamanho (e de gravidade). Afinal,
“quem conta um conto...”. Temos a mania de sempre aumentar o que ouvimos de
alguém, quando o reproduzimos para uma outra pessoa.
A esse propósito, a atitude mais honesta que se deve
tomar é a recomendada pelo escritor britânico Ronald Victor Courtney Bodley, no
livro “Em busca da Serenidade”: “Cada vez que ouço uma história sensacional à
custa de alguém, tento avaliar a mentalidade e os motivos de quem a conta, e
deixo de levar em consideração tudo o que foi dito, ou procuro descobrir o que
foi que começou a lenda. Faça também isso, antes de julgar precipitadamente o
assunto da maledicência”.
O certo é agir assim, sem dúvida, mas você conhece
alguém que o faça? Eu não conheço. Por mais séria que seja uma pessoa, ao ouvir
alguma fofoca numa roda de amigos, jamais interrompe o fofoqueiro para defender
a vítima. Está pouco se lixando quanto à verdade do que está sendo dito.
Diverte-se, como todo mundo, rindo, quando a história é engraçada, e se
indignando, quando o suposto ato da vítima, narrado (e aumentado, claro) por
quem faz a fofoca, é digno de reprovação (caso verdadeiro, mas quase nunca é).
Abro, aqui, um parêntese para fazer ligeira
observação sobre Bodley. Pela lógica, ele é que deveria ter escrito o episódio
de “Maomé e as penas”. Afinal, trata-se de um especialista sobre cultura
islâmica. Entre os seus livros mais conhecidos, estão “O Mensageiro – a Vida de
Maomé” e “Ventos do Saara”, ambos traduzidos para o português e lançados no
Brasil. Estranhamente, porém, não reproduziu essa parábola.
A mania de falar mal da vida dos outros é, portanto,
não só tão velha, como o próprio homem, mas universal. Ninguém nunca conseguiu
e jamais vai conseguir acabar com a fofoca. O que os fofoqueiros de plantão –
da China à Suécia, dos EUA ao Afeganistão, da Argentina ao Laos etc.etc,etc. – devem,
pois, é maneirar no teor das suas banais maledicências. E não se zangar quando
forem as vítimas. Afinal (já que usei vários clichês usarei mais um), “quem
com ferro fere....com ferro será
ferido”.
* Jornalista,
radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual
Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do
Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova
utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Eu já defendi ausentes diversas vezes, e caso venha a falar alguma coisa, direi apenas comigo mesma, com minha melhor amiga ou coma minha dileta psiquiatra. Nem ao padre confiaria.
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