Canção sem palavras
* Por Daniel
Santos
Dois:
ele e ela. Jovens: ambos por volta dos 23 anos. E, a contrariar a expectativa
de uma idade em que se tem muito a conversar, entraram calados no restaurante,
sentaram-se sem dizer palavra e mudos ficaram.
Pareciam
alheios um ao outro, distantes mesmo, embora de mãos dadas como algemados. De
vez em quando, ele beijava a mão dela. De vez em quando, ela beijava a mão
dele. Olhos perdendo-se em cursos opostos.
O garçon estendeu-lhes o cardápio. Ela
queria pouco, que estava de regime. Ele, apenas para acompanhá-la, pouco comeu.
E durante a janta cumpriam o silêncio com ar de fastio como se estivessem
empanturrados.
Embora
nada dissessem, pareciam ansiosos para escapulir, mas logo disfarçaram o tédio:
ela atirou-lhe um beijo discreto enquanto passava o guardanapo e ele sorriu em
resposta, se bem sem as cores do entusiasmo.
Dispensaram
sobremesa e cafezinho. Pagaram sem conferir a conta e nem esperaram pelo troco
que não era pouco. O garçon ainda
tentou alcançá-los, mas sempre de mãos dadas iam já longe. Os dois: ele e ela.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Se começam assim, "o que dirá" dentro de um mês? Conheci gente, meus pais, que assim eram e assim permaneceram por 31 anos.
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