Sutil diagnóstico
* Por Daniel Santos
Era
uma criança ranheta – ou assim parecia. Porque, altas horas da noite, dava de
chorar e até se esgoelar sem quê nem pra quê, a ponto de arroxear-se em torno
da boca e dos olhos. Levaram-na, então, ao médico.
O
médico inquiriu os pais à exaustão, depois pediu exames e mais exames ao
pequerrucho que se deixava examinar com olhar paciente, como se pensasse “por
que será que não descobrem algo assim tão evidente?”
Com
os resultados dos exames em mãos, os pais retornaram ao médico que nada viu de
preocupante e, assim, sem algo de proveitoso a dizer, prescreveu à criança
refeições substanciosas e lazer ao ar livre.
Aliviada,
a família regressou a casa, mas naquela mesma noite amargou a insônia de
sempre. Internaram, então, o garoto que, durante uma semana, dormiu como um
anjo. Supostamente curado, voltou aos pais.
Colocaram-no
no berço, depois deitaram-se para vingar o jejum da carne. Arranharam-se,
gemeram, escoicearam, morderam-se e beijaram-se com lubricidade de animais.
Assim, assustado, o bebê voltou a chorar.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Eu nem imagino o que seja isso.
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