segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Sutil diagnóstico

* Por Daniel Santos


Era uma criança ranheta – ou assim parecia. Porque, altas horas da noite, dava de chorar e até se esgoelar sem quê nem pra quê, a ponto de arroxear-se em torno da boca e dos olhos. Levaram-na, então, ao médico.

O médico inquiriu os pais à exaustão, depois pediu exames e mais exames ao pequerrucho que se deixava examinar com olhar paciente, como se pensasse “por que será que não descobrem algo assim tão evidente?”

Com os resultados dos exames em mãos, os pais retornaram ao médico que nada viu de preocupante e, assim, sem algo de proveitoso a dizer, prescreveu à criança refeições substanciosas e lazer ao ar livre.

Aliviada, a família regressou a casa, mas naquela mesma noite amargou a insônia de sempre. Internaram, então, o garoto que, durante uma semana, dormiu como um anjo. Supostamente curado, voltou aos pais.

Colocaram-no no berço, depois deitaram-se para vingar o jejum da carne. Arranharam-se, gemeram, escoicearam, morderam-se e beijaram-se com lubricidade de animais. Assim, assustado, o bebê voltou a chorar.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.


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