segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Sintomas da cistite

* Por Daniel Santos

Acostumara-se a levantar apenas quando a empregada, maternal, solícita, lhe estendia o copo de café quentinho. Ela se espreguiçava, infantil, bebia a pequenos goles e, ainda vacilante, se metia no chuveiro.

Havia prazer naquilo, naquela rotina de dar pequenas ordens e ser atendida sem protestos. Mas do cotidiano veio a intimidade, e a empregada passou a confidenciar suas picantes aventuras amorosas sem enrubescer.

Nesse item, a jovem patroa perdia, porque, de tão auto-suficiente, ignorava homens, tinha pouco sucesso com eles, esquecera das sutis vaidades que os excitam e seduzem – uma frustração jamais admitida.

Jamais admitida, mas verdadeira; dolorosa, sobretudo, porque nesse ponto a empregada era mais feliz que ela, mais mulher que ela, mais competente que ela, pois tirava prazer daquilo em que a outra fracassava.

Envergonhada da própria solidão, reagiu a tempo. Agora, antes de a empregada chegar, desarruma a cama, suja copos, deixa guimbas nos cinzeiros – cenário da pretensa orgia. E ainda se queixa da cistite.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.



Um comentário:

  1. A cistite é uma tragédia para quem quer mais sexo, como também é uma desculpa indiscutível para quem não o quer.

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