quinta-feira, 12 de julho de 2012

Perna comprida e muita malícia


* Por Fernando Yanmar Narciso


Você é jovem e rico. Tem direito a tudo que o dinheiro pode comprar, ninfetinhas e top models a hora que quiser, festas regadas às melhores drogas lícitas e ilícitas, muito álcool e muito sexo. Um, dois, três e às vezes até quatro carrões italianos na garagem, isso sem falar na Hummer tunada e no heliporto no quintal.

Uma mansão onde daria possivelmente para abrigar o Complexo do Alemão inteiro, com um jardim que colocaria a Babilônia no chinelo. Puxa-sacos aparecendo onde quer que vá, líderes mundiais te ligando no meio da noite parabenizando pela sua vitória, paparazzis que não saem da sua aba ...

E você conquistou tudo isso simplesmente por correr atrás de uma bola talvez um pouco melhor que a maioria dos moleques do morro. Mas ultimamente não tem levado a sério seus compromissos com o time, tido crises de estrelismo e vaidade. Afinal de contas, com tanto dinheiro e mordomias, vai querer correr atrás de uma bola pra quê? Ficar todo suado e sujo não é coisa de gente rica e famosa!

Como diria o poeta, a vida não é só futebol... Também é mulher e cerveja. Desde pequeno nunca consegui entender o fascínio despertado pelo futebol. É, senão o campeão inconteste, um dos mais injustos esportes com bola. Tem sempre aquela questão, de dizer que homem que não gosta de futebol não é homem de verdade, mas eu não consigo ver graça nisso. Quem acha que não tem mais lugar pro fascismo no mundo devia visitar uma arquibancada em dia de jogo... “Você não torce pelo meu time, logo merece morrer.”

O time pode estar jogando pedra em campo, mas se em 90 minutos de jogo conseguir marcar um único golzinho chorado, os 11 jogadores são alçados a heróis da nação. Por outro lado, se o time estiver jogando verdadeiras óperas no decorrer do campeonato e perder a final, todo o jogo bonito de outrora é invalidado e os torcedores querem arrancar a cabeça do time, ou, mais injusto ainda, a cabeça do técnico.

Claro que nem sempre é assim. O mundo nunca irá se esquecer da histórica e heróica seleção brasileira de 1982, que jogou a copa da Espanha. Dizem que aquela "segunda-feira de doer" foi o dia em que o futebol-arte morreu, no apocalíptico Brasil 2 x 3 Itália. Mesmo tendo perdido, todos concordam que aquela foi a seleção que jogou mais bonito na história das copas, sendo mais reverenciada até que as seleções de 70, 94 e 2002, que trouxeram o caneco. Tanto que ninguém é capaz de se lembrar dos companheiros de Romário em 94, tirando o Dunga, mas todos sabem de cor quem compunha o quadrado mágico com Zico em 82. Sim, eu pesquisei muito antes de escrever esse texto, tá legal?

Outra coisa que sempre me deixou grilado é o sistema de pontuação do futebol. Só bola na rede vale ponto, e um ÚNICO ponto. Há muitos anos, uns americanos tentaram emplacar na FIFA a idéia de "aprimorar" a pontuação no soccer. Entre as propostas, estava dispensar o goleiro e deixar as traves da largura do campo, assim haveria muito mais pontos por jogo. Claro que não é necessário chegar a tais extremos, mas se há uma coisa que me irrita no futebol são placares de 0x0, 1x0, 1x1, 2x0... Quer dizer, quase todos os outros esportes com bola têm um esquema de pontuação variando de acordo com a forma que o ponto foi marcado. Eu não entendo pitombas de bola, nem vocação pra gandula eu tenho. Mas, em minha opinião, bolas na trave deviam valer pelo menos meio ponto pela tentativa, gols normais um ponto e pênaltis no máximo 3 pontos. Pois como todos sabem, pênalti é tão importante e errá-lo é tão desmoralizante que ele devia ser batido pelo presidente do clube.

Um dos fatores mais importantes numa vitória em qualquer esporte não é nem a técnica do esportista, e sim a quantidade de medo que ele é capaz de incutir nos adversários. Se você for como o Romário e bola no seu pé for sempre sinônimo de gol, ou se parecer um viking com 100 quilos de músculos, qualquer um vai sujar as calças antes de te encarar no campo de honra. Então eu pergunto: Que tipo de reação visceral um moleque franzino de cabelinho fashion como o Neymar, ou o galã da bola Cristiano Ronaldo, pretendem arrancar do adversário? Só para comparar, dá pra colocar uns dois Neymares e meio dentro de um jogador médio de rúgbi. E com eles não tem essa de fingir que feriu a perna e fazer teatrinho no gramado. Alguns jogadores de rúgbi perdem dentes, sangram feio, quebram narizes e ossos na partida e continuam numa boa dentro de campo, fingindo que não aconteceu nada e literalmente dando o sangue pelo time. Coisa que, desde que tornaram- se celebridades com contratos milionários de publicidade, há muito não vemos nossos gladiadores do gramado fazendo. Afinal, dar o sangue dói muito e suja a camisa, e todo mundo precisa ver o nome do patrocinador sem nenhuma mancha em cada jogada.

*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

3 comentários:

  1. Um estilo crítico, ácido, que vai ao cerne da questão, sem sutilezas. Há laivos de humor,que vai da ironia a mordacidade, enfim, prato completo sobre futebol.

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  2. Fernando, é sensacional sua análise. Você foi fundo nessa atividade que, a rigor, no frigir dos ovos, não tem importância alguma à sociedade, mas que muitos (e põe muitos nisso) alçam à categoria de "religião". Hoje em dia, poucos garotos sonham em ser cientistas, astronautas ou artistas. E muito menos escritores. Querem, por que querem, ser jogadores de futebol, por causa das regalias que você citou.Pudera! Também está perferiotíssima sua análise da Seleção Brasileira de 1982. Seu texto enriquece este nosso espaço. Parabéns. E continue assim.

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