quinta-feira, 23 de abril de 2009




Vamos comigo, mãe?


* Por Gustavo do Carmo

A fita, na qual o pai gravou as primeiras palavras da filha mais velha, registrou o desabafo conjugal de Sofia. Ela dizia, aos prantos, depois do marido ter recusado o seu convite de ir ao cinema naquele domingo de verão, que ninguém a acompanhava em seus passeios. Previu que a menina, ainda bebê, seria a sua fiel companheira em qualquer lugar que fosse.

Foi apenas uma falsa previsão feita no calor da emoção provocada pela discussão. A filha cresceu, se tornou uma mulher independente, já casada e lhe deu netos. Sofia só não imaginava que o seu filho mais novo, nascido dois anos depois daquela gravação, seria o seu maior companheiro.

Só que não era Manfredo quem acompanhava a mãe. Dona Sofia era quem acompanhava o caçula. Quando menino de colo ele queria ir ao parquinho jogar bola e era a mãe quem o levava. Dona Sofia estava presente em todas as festinhas escolares do filho e, também, nos torneios de futebol mirim do clube do bairro.

Sofia era a única presença garantida no vestiário do time. Os companheiros encarnavam, a senhora ficava constrangida, mas Manfredo nem se importava. Afinal era ele quem insistia. Sempre com o mesmo pedido:

— Vamos comigo, mãe?

Para acompanhar Manfredo ao médico e passear no shopping, Sofia não se importava. Ao primeiro, só ia porque tinha a certeza de que homem só vai ao médico acompanhado de uma mulher. Já no templo do lazer gostava mais quando ia com a família: Manfredo, a outra filha, os dois juntos e até o marido, de vez em quando. Mas o constrangimento aumentava quando o filho insistia que ela o acompanhasse nos passeios com os amigos. E ele já tinha quinze para dezesseis anos. E quando a mãe não podia ir, Manfredo já tinha a sua alternativa: também não ia.

Quando seu menino se transformou em um homem adulto, aos dezoito anos, Dona Sofia teve esperanças de que ficaria livre dos convites do filho. Pura ilusão. Ainda teve que acompanhá-lo nas noitadas, viagens com os colegas da faculdade e até na entrevista de emprego.

Milagrosamente Manfredo foi aprovado e começou a trabalhar aos vinte anos como estagiário de uma agência de publicidade. Como, se a mãe não larga do pé dele? Felizmente, neste dia deixou a mãe esperando na recepção. Mas a senhorinha continuou o acompanhando no trabalho. Tornou-se sua auxiliar. Para constrangimento dela e deboche dos seus colegas.

E é esse o segredo para Dona Sofia acompanhá-lo em todos os lugares que ia sem atrapalhar: ela ficava apenas na espreita. Manfredo não precisava da companhia permanente da mãe. Só a sua proximidade no local já bastava para deixá-lo tranqüilo.

E foi assim que ele marcou o nosso primeiro encontro. Nos conhecemos num bate-papo na internet e começamos a conversar. Depois de alguns meses de muita conversa e namoro virtual, sugeri que precisávamos nos ver pessoalmente. Manfredo propôs um bar num shopping. Ele me descreveu, sem mentir, todas as suas características físicas: branco, cabelos pretos e cacheados, olhos verdes, óculos de aro fino, altura média e um pouquinho de barriga. Manfredo me disse também que estaria com uma camiseta azul.

Chegou o dia e eu estava ansiosíssima para conhecê-lo. Levei um susto quando eu estava sentado e vi um rapaz com as mesmas características dele entrando no bar onde eu estava. Acompanhado de uma senhora baixinha, gordinha, de óculos e cabelos tingidos de louro, aparentando sessenta anos. Caramba! Será que ele trouxe a mãe para o nosso primeiro encontro? Eu estava sentada na cadeira da copa do bar e este homem sentou-se na mesa com a mãe. Fiquei aliviada. Por pouco tempo.

Cinco minutos depois, eu tinha me virado de frente para o balcão e de costas para a entrada e as mesas quando alguém me tocou. Era ele. Manfredo. O mesmo rapaz que eu conheci na internet. E que chegou ao bar acompanhado da mãe. Ele só me reconheceu porque eu era a única morena clara de cabelos longos, lisos e pretos, olhos levemente puxados e seios médios sentada sozinha no balcão.

Por pouco não joguei o drink na cara dele. Mas ele era tão bonito que fiquei com pena. E também apaixonada. Na nossa primeira conversa física, ele sequer mencionou a mãe. Nos beijamos. Somente uma hora depois ele decidiu me levar à sua mesa e me apresentar à Dona Sofia, que se tornou presença constante em todos os nossos encontros.

Um dia, já íntima da família e com dois anos de namoro, criei coragem e perguntei a Dona Sofia, na lata, porque o filho sempre a levava em todos os lugares que ia. Não que eu não gostasse dela, me desculpei assim. Mas falei com sinceridade que em alguns casos a presença dela era inconveniente. Ela me respondeu que ele, desde criança, sentiu-se superprotegido pela mãe e que ficou com pena da tal fita que ouviu aos seis anos de idade. Ela tentou afastar-se do filho. Mas ele a convidava sempre com a mesma pergunta:

— Vamos comigo, mãe?

A cada vez, o tom da pergunta era ainda mais carente. E acabava ficando piedosa. Procurou até um psicólogo para curar a mania do filho. Mas não adiantou, confessou que já estava dependente da companhia de Manfredo. Se sentia sozinha e abandonada pela filha independente e o marido que pediu o divórcio. O terapeuta só serviu para diminuir o constrangimento. Foi o clínico quem sugeriu que Dona Sofia ficasse apenas por perto e não participar ativamente dos compromissos de Manfredo.

A culpa foi um pouco minha também, que acabei deixando. E isso ajudou a controlar os desejos sexuais de Manfredo, pois eu também só queria transar depois do casamento que aconteceu em três anos. Manfredo já estava formado em publicidade e trabalhando como diretor de criação da agência. Ganhava bem. Assim que foi promovido, contratou Dona Sofia como sua secretária.

Casamos no Outeiro da Glória numa cerimônia muito bonita e uma festa bastante luxuosa. Chegamos e saímos da igreja e da recepção num Jaguar. Papai, que era rico, também colaborou para a elegância da festa. Fomos passar a lua-de-mel em Dubai.

Não me surpreendi, mas não gostei quando encontrei Dona Sofia no avião e depois na recepção do hotel sete estrelas. Tivemos a nossa primeira noite de amor, três anos depois de nos conhecermos naquele bar do shopping. Tive cinco orgasmos e gemi de prazer como uma leoa. Por sorte os outros hóspedes e funcionários hotel não ouviram porque as portas eram de mármore carrara maciço. A exceção foi Dona Sofia, que assistiu a tudo no quarto como uma espectadora de filme pornô.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores.


Um comentário:

  1. Fixação materna, assim, nunca vi e acho que nem Freud explica, mas diverte imaginar sentimentos confundidos, embora sem conflitos. Parabéns.

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